homem sem sombra...






O homem sem sombra


Naquela casa empoeirada, lá existia um piano de armário. Eu tinha uns sete anos quando entrava pelo porão com meus amigos Marquinhos e Quincas, que iam comigo até onde eu não tinha medo. Marquinhos olhava aquela sala como se fosse uma descoberta. O meu amigo Marquinhos tinha medo. Ia comigo porque eu pedia. Não tinha medo, eu creio que não exercia uma possibilidade com uma causa, que era nobre naquela hora. Ia comigo porque eu pedia. Uns sete anos depois quanto tinha me desenvolvido, eu apelava para que ambos os momentos pudessem ser superados como gatos lisérgicos, como um momento único, sempre único. Mas nos sete anos posteriores, deixara passar uma irreverência no curso de sobrevivência que fiz na selva. O meu amigo não tinha nada a dizer sobre sobrevivência na selva.
Nunca tive medo de nada. Em anos posteriores enfrentei os piores valentões da minha vida. Meu apelido era louquinho. Foi esse o meu apelido no exercito. Fui uma referencia de sobrevivência na selva, principalmente quando morei em Ilha Bela, e acredito que tive um filho por lá. Um menino que hoje tenha uns 35 anos, por aí...
Era esse o meu apelido no exercito, louquinho, e as pessoas tinham medo de mim. Em anos posteriores eu enfrentei os mais terríveis valentões, que viam em mim, um ser franzino e incapaz de revidar. Mas eu era sangue nos olhos, procurava o primeiro pau, ou madeira na qual eu poderia revidar e derrubar o meu oponente. Não se pensava no revolver. Principalmente em uma época, em que tudo era resolvido na porrada.
Mas aos sete anos, entrava naquela casa mal assombrada para poder investigar. O piano de armário na qual eu gostava de tocar nota por nota, som por som, lembrava da minha mãe, pianista de Bauru, e em várias noites, tentando reproduzir em notas musicais, momentos líricos relembrados eternamente na minha mente. Meu pai doou o piano da casa que estava com cupins. Tudo mentira! Não existiam cupins, apenas aquele piano e aquela música incomodavam meu pai e encobria sua áurea. Ver a estrela de minha mãe brilhar em uma época na qual a ditadura do homem vislumbrava entre as montadoras e as máquinas que estavam superando os homens, não se podia baixar a bola e fechar os olhos para uma realidade machista.
O medo e a angustia fazia parte do meu dia a dia e eu era tocado por aquele piano que mexia com minhas lembranças. Nunca toquei nada, mas nas poucas horas que estive naquela casa eu procurava mergulhar nas entranhas da música, mesmo sem saber o que aquilo representasse. Nas entranhas daquela casa eu ia ao extremo. Tocava coisas que eu não entendia. Tocar por tocar. Parecia que eu incorporava alguém que tocava muito bem. Quando punha as minhas mãos eu não conseguia parar de tocar. Se o Marquinhos reclamasse do tempo na qual estávamos ali eu falava pra ele: fôda-se. E ele se calava. Sempre se calava. Anos se passaram entre o piano e eu. Surgiu assim a música para mim. Depois disso, ela nunca me abandonou. Hoje toco vários instrumentos de sopro.

Quando surgia algum valentão na rua, eu tratava de lhe dar um corretivo. Era na base do caibro. Aquela madeira quadrada utilizada na construção civil na qual eu a deixava roliça afinando as suas pontas. Eu dava uma só nas costelas do cara e ele caía, e aí ficava fácil. Eram de duas ou três costelas quebradas. Já no outro dia os informantes diziam o que ia acontecer, pois iam me pegar. Sempre existiu a “crocodilagem”, aquela situação na qual chegam sem avisar. Só que comigo não tinha nada disso, pois eu me antecipava e esperava o sujeito na esquina.

Sempre com o caibro na mão. Nunca dei ponto sem nó! E nunca deixei com que me pegassem antes. Agia sempre sozinho, e assim ganhei respeito. Muitas vezes falava pro Ricardinho o que tinha feito depois de tudo o que tinha acontecido. Ele ficava puto, mas eu agia por mim mesmo. Nunca precisei de ninguém, pois sempre levei a sério o que meu pai falou: amigo é dinheiro no bolso.
Marquinhos era filho de bacana e eu de pescador. Mas éramos amigos fiéis. Brincávamos e jogávamos bola todo o dia depois de freqüentar a escola Lourdes Hortis, lá na Ponta da Praia, em frente á quitanda do seu Matias e da padaria, cujos doces de abóbora eram disputados pela molecada. Jogávamos bafo e brigávamos todo o dia, mas as minhas notas sempre foram boas. Mas, antes de tornar-me desenhista, eu não suportava pegar no lápis.
Quando me apaixonei pela filha do seu Matias, houve uma decepção: ela tinha bigode. Isso era uma coisa que eu queria ter desde os meus primórdios. Mas, só aos treze anos eu tinha o meu. Ralo bigode, mas era o meu. Isso era tudo.
Sempre íamos á venda do seu Matias, e foi por essas investidas que me apaixonei pela sua filha. Mas aquele bigode me incomodava. Eu a imaginava sempre sem bigode. Ela era linda. Eram gastos em doces, as moedas que guardávamos quando fazíamos alguns serviços pra mamãe. Ir à padaria ou açougue sempre rendia alguns trocados. Doces de Batata doce, abóbora, doce de leite em forma de coração, canudinhos com anéis de plástico, paçoca amor e tudo mais. O que eu queria era ver a filha do seu Matias e o seu bigode. Imaginava ela sem bigode e eu a beijando. Minha imaginação sempre foi fértil e eu imaginava beijando-a sempre e jogando-a entre as verduras do seu Mathias que estavam sempre fresquinhas. Nunca imaginava aquele português como meu sogro, imagine só. O meu mundo e minha infância resumem-se a isso. Escola, venda do seu Mathias, jogar figurinhas ou bafo depois das aulas. Lembro-me que nesta época o Plínio Marcos estava no 3º ano e já agitava o local. Eu era do 1º ano e depois o conheci, pois ele viu como eu era brigão depois das aulas. Nos encontramos depois, nos anos 80 no Caramba, uma sorveteria em Santos onde vários artistas da baixada santista e de São Paulo se encontravam, loucos e profetas da época, para tomar LSD e dormir na praia, literalmente.
No prédio em que morava eu gostava de jogar figurinhas e brincar. Em um canto brincavam as meninas e no outro os meninos. Brincar era a nossa vida. Era tudo para nós. Minha fantasia começou a despertar a partir destes anos.
Quando meu pai chegava com o barco depois de uma pescaria era uma festa. Íamos ver os peixes que eles pescaram e o que nós íamos comer nos próximos dias: polvos, lagostas, peixes das mais variadas espécies, mariscos. Festa!
Uma boa pescaria era uma festa no prédio. Peixes disputados de acordo com a popularidade do morador do prédio com meu pai. Alguns ganhavam peixes outros não. Por mais que a democracia prevalecesse sempre alguém ficava sem peixe nessas horas. Não se pode servir a Deus e ao Diabo. Cruz credo!
Éramos uma comunidade filantrópica. Todos se curtiam e eu e o Marquinhos éramos muito amigos. Se estiverem vivos os amigos, podíamos recordar bons momentos da vida. Nas festas juninas a melhor parte era dançar com a menina mais bonita, a Vânia, disputada por todas e protegida por seus irmãos, Marcos e Silas. Era o nosso programa de julho, nossas férias da escola. Grandes amigos eram os mineiros e as mineiras, mas era a nossa tentação tentar conquistá-la, Vânia, a melhor das mineiras . Era a mais linda do pedaço. Eram todos protestantes, os mineiros, depois que se mudaram para Juiz de Fora em Minas, eu só tinha olhos para a Janete, a mais velha das três irmãs que moravam em uma casa em frente ao prédio que morávamos. Éramos três irmãos e elas eram três irmãs: Janete, Anete e Eliete. Eram lindas e eu e o Ricardinho sempre a fim delas. Fizeram parte da nossa vida assim como outras pessoas. As pessoas vão entrando na nossa vida e fazendo parte dela. Vai se formando um quadro, uma composição que aos poucos vai se definindo como um caminho da sua vida que vai se distendendo pelo espaço.

Mas os tempos eram diferentes. Nada de beijinhos ou selinhos como são hoje. O mundo tinha princípios e você não podia manifestar seus desejos assim liberalmente.
O social, na qual meus pais estavam à frente e o respeito era mostrado como uma alavanca para um bom relacionamento entre os seres humanos. Tudo tinha que ser direitinho. Tudo certo quando o verbo se completa o que a mente é em si descrente. Fogueiras, rodas, brincadeiras, malhação de Judas, Natal, carnaval com bisnagas espirrando nos corsos que passavam buzinando pelas ruas e lembranças que não voltam nunca mais, a não ser o que retratamos momentos relembrando o passado.
Meu pai construiu um barco neste prédio. Pescar era um evento para nós. A porta era de madeira e uma janelinha com vidro e ferrolho pintada de cinza, se olhava os visitantes, era característica daquela porta. A sala tinha um sofá antigo e uma vitrola que depois foi doada ao nosso amigo Diderot, dentista e amigo da família.
Tínhamos uma televisão Phillips, marca bem antiga. Lembro-me que para ver algum filme a tarde era preciso ligá-la pela manhã até que as válvulas esquentassem. Mas foi na vitrola que eu ouvi a despedida do Pelé do Santos F.C., numa quarta feira contra a Ponte Preta, acho que umas 19h ou 20h, bem antes do futebol ser manipulado por uma emissora da mídia. Todo ano, minha mãe colocava uma coroa sobre a porta quando chegava o dia de Natal. Era nosso momento mais mágico do ano. Às vezes meu pai trabalhava no Natal e às vezes no ano novo. Sempre dependíamos da escala do meu pai para saber se curtíamos o dia de Natal ou o ano novo. Éramos três irmãos bem próximos e com esperanças de sermos alguém na vida. E fomos, e tentamos ser ao máximo o melhor de todos, sempre com uma grande alegria no coração, com uma união indestrutível, e muitos momentos felizes passamos juntos. Fomos e somos felizes até agora. Depois que o Ricardinho se foi, e encontra-lo morto em seu quarto, minha vida mudou. Não o foco que tenho na vida, mas o sentido do rumo a qual ela prosseguiu depois que tudo aconteceu. Encontra-lo morto no dia do aniversário de minha mãe foi algo que marcou muito a minha vida. Depois de quatro dias em Santos, vi na TV a tragédia do dia 11 de setembro. Mais de duas mil mortes naquele dia. Foi melhor o Ricardinho não ter visto aquela tragédia. Depois de um mês, minha mãe se foi, ceifando de vez meu coração, tornando-me um homem frio, sem vida, sem nada a ganhar e sem nada a perder. Não tinha medo de nada e percebi que a vida não tem um sentido, nem a ocasião faz seu verbo, pois meu verbo se faz por si próprio. Mas na real, as coisas não têm muito sentido. A vida é que tem que nos dizer qual é realmente seu sentido. Por isso buscamos a verdade. Esse é o caminho da vida. Mas ela me ceifou do meu outro irmão que se foi no mês passado vítima de câncer. Pela lei da vida, meu pai não precisava enterrar dois filhos e a esposa, minha mãe. Mas que lei é essa que em sua causa e ambigüidades são paralelamente coerentes ao destino? Que desatino supõe-se romper. Mas que regras são essas? O que o destino nos aguarda? Pode vir destino, pois não tenho medo de nada, a não ser da mão de Deus, pois só ele pode ceifar a vida e coloca-la ao seu lado. Mas a história começa de um outro jeito, e lá em São Paulo, a coisa foi diferente.






No Hotel

Quando entrei naquele hotel todos estavam bêbados, o gerente caído no tapete sujo e o atendente dormindo no balcão. Subi rapidinho até o 1º andar e entrei no primeiro quarto que vi que a porta estava aberta. Estava todo arrumado. No guarda roupas, calças e camisas de alguém que eu não sei. Tranquei a porta e comecei a beber o que existia no frigobar. Vodka e cerveja, além de um energético. Depois de beber tudo comecei a dar uma geral no quarto para ver se me dava bem. Além das roupas achei algum dinheiro pra arrumar o meu Jipe ano 78. Ele andava meio parado e eu pretendia concerta-lo. Era a minha loucura. Sair com ele na loucura do dia a dia.
Eu pretendia revigora-lo, trocar a bobina, mexer nos freios e na embreagem, motor de arranque e torna-lo o melhor de Boracéia, onde ele mora.
Depois do Hotel eu saí enquanto todos continuavam dormindo. Era, uma madrugada tristonha, um frio na espinha, e penso no aconchego do lar.
Fiquei vagando por muito tempo na “Boca do Lixo” e dormi embaixo das marquises disputando uma vaga com mendigos e moleques de rua. O mundo estava decadente, com mais de quatro mil moradores de rua que dormiam no centro de São Paulo. A pinga é a bebida do capeta, o refresco do demônio. É onde o bicho pega e a cobra fuma. Entre os mendigos ela é disputada a tapa. Também os pedaços de papelões para dormir. Somos almas perdidas que partilham neste mundo insano e não encontrando a vida, mergulhamos na escuridão sem fim, e acordamos quando os primeiros raios de sol brindam nossos olhos. É difícil abri-los, é difícil sonhar. A realidade é outra.

O Vôo...

Queria subir no terraço Itália e ver a cidade de São Paulo lá de cima. É a visão mais bela de São Paulo. Vê-se a São João, o minhocão e a Praça da República, repleta de moradores de rua como eu e cheio de nigerianos falando sua língua estranha.
Tivemos que ludibriar o porteiro para subir até lá. Estávamos sujos e maltrapilhos, cheirando a pinga e fedendo. Éramos a escória, mas conseguimos subir. Era o desejo do Zé, um pernambucano com mais de doze anos em São Paulo, que perdeu tudo em razão da cachaça. Mulher, filhos, emprego e principalmente, a sua dignidade.
Seu desejo era subir no terraço Itália e ver São Paulo lá de cima. Estava velho demais para sobreviver mais alguns anos e a cirrose ia tomando conta de seu fígado, cuspindo sangue, sempre que tossia. Mas sempre foi querido por todos nós, que o respeitávamos, e ouvíamos os seus conselhos. Mas, mesmo assim, subimos até o terraço Itália, e lá de cima sentimos o odor podre da cidade cheia de fumaça e sonhos cada vez mais distantes. Oblíquos talvez.
Lá de cima, eu e Zé, sentíamos a brisa roçar nossas faces e brincamos de ser pássaros. Sentíamos ser os donos do mundo lá de cima. Mas, alguns seguranças do restaurante começaram a se aproximar, e Zé foi para o parapeito do terraço Itália, quando eu não estava olhando para ele. Parecia que queria voar...
-Não Zé! Por favor, não brinque com essas coisas, não faça isso! Você vai me prejudicar, além de morrer, claro... Zé; você pediu que eu o trouxesse até aqui, e fiz de coração, agora, desça daí e vamos voltar ao viaduto. Para as nossas coisas que deixamos por lá, e que de tão poucas, são muitas coisas para nós. Dessa Zé, por favor...

Eu fiquei apavorado, muito mais quando os seguranças me pegaram e algemaram.
Zé ameaçou se jogar e tremi na base. Logo depois chegaram os bombeiros e a polícia tumultuando o local. Era o que Zé queria: tumulto e chamar a atenção. Era sua hora e a história da sua vida seria contada naquela hora. Fotos e helicópteros rondavam o local e logo Zé estava em todos os noticiários. Foi quando Zé ameaçou jogar-se. Segurava-se com uma mão no parapeito sentindo uma brisa riscar-lhe a fronte. Queria pular.
Queria acabar com a sua vida, mas eu seria culpado por tê-lo levado até ali. Estava com um nó na garganta. Consegui leva-lo até o mais alto ponto turístico de São Paulo porque era o seu desejo. Lembrei-o de sua família, de seus filhos e da vida que ele teve e não podia ser abreviada. Mas, Zé estava desiludido. Tinha perdido tudo, inclusive sua dignidade. Zé era mais um derrotado em São Paulo. Um a mais, ou menos.
São Paulo proporcionava bons e maus momentos para toda pessoa. Ela os acolhia, e a partir daí era por sua conta. Aqui se perde e aqui se ganha. No centro da cidade existia todo tipo de falcatrua e malandragem. Você era sempre vigiado, em todo lugar que você fosse ou andasse ou dormisse. Ta tudo dominado. Tudo sem excesso.
Bêbados, drogados, mendigos e prostitutas, cafetões, inferninhos e ladrões, todos querendo levar vantagens em tudo. Além de pessoas que perderam tudo e que vivem de favores dos outros, catando latinhas e pedindo dinheiro em faróis e comida estragada e azeda dos restaurantes, dada por dar, em vez de ir para o lixo.
Lixo, que é vasculhado por moradores de rua, que comem os restos jogados, e lambem papéis e bandejas amassadas de alumínio, cuspidas pelos homens da sociedade. Muitos perderam a sua dignidade, e com suas famílias, moram embaixo de pontes, em buracos entre os blocos, em matas e escombros da 23 de março, nunca percebidas pelos carros que passam ligeiros, em idas e vindas do trabalho para a casa, vice e verso.
Uma vez ouvi uma pessoa falando em um orelhão no Largo do Socorro um absurdo:
- Venha pra São Paulo! Pode vir que aqui é só você subir no ônibus pedindo, que aqui todo mundo dá dinheiro, todo mundo se ajuda! Mas São Paulo não é assim. Ela é cruel e triste e no inverno fica bem pior. Pessoas morrem de frio, congeladas, e ninguém faz nada. Tirando algumas entidades sociais que distribuem a sopa aos moradores de rua, ninguém faz nada. É a salvação da noite e um pouco de calor em nossas vidas tristes e solitárias. Ser acordado no meio da noite por uma mão amiga com um prato de sopa quando você está totalmente bêbado é uma dádiva no meio da tempestade cruel que assola o centro de São Paulo no inverno.
Quando Zé veio de Pernambuco, foi morar em uma pensão no bairro da Liberdade e trabalhar em uma obra em Santo Amaro. Acordava ás cinco horas da manhã e depois de quatro meses se apaixonou pela cozinheira da empresa, depois de levá-la ao forró do Zé Lagoa no Largo do Socorro. Casou-se um mês depois alugando um barraco no Ângela, onde tiveram dois filhos. Tudo estava indo as mil maravilhas para Zé e sua família. Seus dois filhos freqüentavam a escola pública e Dona Marta, para aumentar a renda, lavava roupas para fora e fazia faxina. Seus dois meninos vendiam doces em frente ao forró da qual seus pais se conheceram. Estudavam pela manhã tendo sempre boas notas, pois eram meninos inteligentes e espertos, e queriam ajudar os pais da melhor maneira possível; sempre trabalhando.
Mas aí veio a bebida, a maldição de qualquer família. A destruidora de lares. O caos.
Zé começou a beber sempre que saía do trabalho com amigos e depois passou a beber na hora do almoço. Tornava-se estranho e seu trabalho não rendia o quanto rendia quando estava sóbrio. Os seus chefes estavam desconfiados de suas atitudes e, quase a ser promovido, foi mandado embora quando descobriram uma garrafa de pinga em seu armário. Era o começo de seu declínio. O começo de seu fosso. A decadência.
Indenizado, bebeu tudo e esqueceu da família, perdendo seu maior valor: a dignidade.
Acabou por se perder e sem memória, morou na Praça da Sé, misturando-se a outros mendigos, e em troca de favores, R$ 0,50 centavos era o seu valor. Perdeu os dentes e envelheceu na rua. Sua família e sua dignidade foram para o esgoto. Tornou-se lixo.
Quando o conheci embaixo do minhocão estava rodeado de outros mendigos que o extorquiam por um pouco de pinga. Sem memória e sem história sua vida estava perdida. Tornou-se um homem sem sombra. Mais um, embaixo do viaduto.
O cheiro da urina e das fezes misturava-se ao cheiro do álcool que estava no ar. Os albergues foram fechados um a um na atual gestão do prefeito. A população de rua aumentou consideravelmente nesses meses consecutivos. Éramos mais de 4.000 mil em 2010 e a tendência era aumentar cada dia. É muita cara de pau em ano eleitoral.
Mas Zé não queria ceder ao meu apelo e ameaçou pular. Os policiais pensaram em chamar os seus filhos e sua família, que talvez vissem o apelo daquele homem desesperado no parapeito daquele prédio e atenderiam o chamado. Mas um dos bombeiros se posicionou no parapeito amparado por uma corda e tentou se aproximar de Zé acalmando-o. Zé estava inquestionável, não aceitava a opinião de ninguém. Olhou para mim, bem nos meus olhos. Os bombeiros estavam próximos de Zé. Quase segurando as suas mãos.
Olhou-me de novo. Vejo chegar uma mulher. Tinham dois adolescentes com ela. Zé olhou-me pela terceira vez. Um dos bombeiros tentou segura-lo pela manga da camisa e Zé tentou se esquivar. Escorregou do parapeito e o segundo bombeiro tentou pega-lo pela sua manga, que podre, rasgou e Zé caiu. Ainda me deu o último olhar, o quarto, e o quinto para Dona Marta e seus jovens filhos, entristecidos pela perda.
Foram os segundos mais longos de sua vida, estraçalhando-se no capô de uma perua de cachorro quente. Não pudemos fazer nada, nada para salvá-lo. Perdemos uma vida para a sociedade capitalista e a evolução. Mas os meios, não justificam o fim. Foi enterrado no cemitério do Jardim São Luiz como indigente.
Quanto a mim, eu voltei ao centro, ao minhocão, pra tentar salvar mais uma vida. A minha. E tomara que eu consiga.

Em busca da sombra

Estava de volta ao viaduto, e tudo estava normal e tranqüilo. Ninguém sabia o que tinha acontecido com Zé. Também, com esse nome no Brasil, o que ele representava?
Eu não tinha mais ninguém com quem conversar. Brigas eram normais por ali, sempre.
As pessoas da rua trocavam de roupas toda hora. Usavam o que davam. O que tinham para usar no dia a dia. Se uma roupa estava muito fedida, trocavam por outra quase sempre. Colocavam roupas uma por cima das outras, sem se importar com o calor ou frio. Bem pior para um morador de rua.
O mundo já está perdido quando se pensa nos jardins. Eles são belos quando eu olhava através de uma vidraça de um quarto de hotel, que consegui alugar depois de um dia de farol. Desta vez, não invadi nem me apropriei de nada. Paguei. Tinha chuveiro e roupa de banho, sabonete e toalha.
O chuveiro ficou pingando a noite inteira enquanto eu ouvia alguns mendigos conhecidos pelas suas vozes, brigarem por pinga. Hoje, eu estava na melhor. Na boa, hoje eu estava.
Quando decidi dormir já passava de duas da manhã e desliguei a televisão. Gastava o máximo que podia, e olhando o teto, pensava na minha vida. O teto mofado e cheio de teias de aranhas e rachaduras que formavam uma outra cor de tinta, de tanto mofo que tinha. O cheiro de bolor vinha do guarda roupa rococó repleto de cabides de madeira grossa, das mais variadas formas onde pude pendurar as calças de pregas de tergal e linho, roubadas de um outro hotel. Era só escolher as roupas: linho risca de giz, gabardines, sedas, e roupas de grife. Os cabides pareciam bigodes rindo para mim.
Era um sonho estar naquele hotel, mas sabia que a realidade era outra. Esse sonho acabava no outro dia, e eu tinha que voltar para as ruas.

Não tinha mais a responsabilidade de tirar Zé das ruas, e então eu mesmo procurava sair em busca de caminhos de acordo com a minha realidade, e tristemente eu caminhava.
Comecei a varrer as calçadas da frente de algumas lanchonetes todos os dias arrumando algum trocado. Os faróis também ajudavam e faziam jus à minha simpatia. Eu convencia a todos, e que me revertiam em alguns trocados. Queria morar em quartos de hotéis e não mais na rua como os outros. Mesmo que o dinheiro arrecadado faltasse, procurava negociar com o dono do hotel e pagar no outro dia. Aos poucos, fui revertendo minha situação e reencontrando minha dignidade. Queria ser como uma pessoa qualquer do mundo; com casa, amigos e principalmente, dignidade.
Quando via aquele lençol branco e cheiroso na cama, o travesseiro felpudo cheio de frescor e um perfume de rosas eu pensava: isso é muito bom para mim. Gostava daquilo e curtia cada momento depois de um belo banho deixando a toalha branca, mais negra que uma nuvem do céu. Pensava em lavá-la, mas eu estava pagando por aquele luxo, e ficava pensando nos meus amigos em baixo do viaduto brigando por pinga e por um pedaço de papelão para dormir.
Poderia sair ao meio dia do outro dia, bem depois do café da manhã que começava ás sete horas e na qual eu procurava, quase sempre, ir umas duas vezes. Depois voltava e dormia até meio dia quando era a hora de sair e retornar ás ruas para mais um dia de batalha, e tentar, arrumar dinheiro para mais uma noite de sono em um hotel.
Pela manhã, as pessoas falavam alto como que quisessem acordar as outras, que talvez não quisessem ser acordadas, e lembrar dos compromissos que tinham. Mas assim faziam. Todos tinham que estar acordados na mesma hora. Eram os autômatos da cidade de São Paulo que levantavam pra trabalhar e outros pra vadiar e chegar ao fim da tarde na porta do hotel, tal como se trabalhassem. Tudo enganação, balela e encenação da melhor qualidade, pior que o meu jeito era verdadeiro. Eu tinha o meu sustento no farol e todos sabiam. Dormia ali porque tinha dignidade e não me deixava corromper por uma sociedade hipócrita que corrompe as famílias com a mediocridade. Esse era o meu pensamento. Eu tomava dois cafés da manhã era por uma necessidade de sobrevivência e não aproveitamento. Mas aos poucos, minha vida estava mudando, e devagar, conseguia enxergar a minha sombra. Pelo menos ia atrás dela, buscado-a sempre.
Acordei com o sol lambendo a cortina e fui tomar outro banho e deixar a segunda toalha bege de sujeira. Já havia muitas semanas em que eu não via água no meu corpo utilizando toda a pasta de dente e a escova que algum hóspede esquecido deixou ali. Saí novo em folha utilizando a camisa que lavei na noite passada e secou na madrugada, pendurada em um arame que trançava por toda a janela do vidro corrediço. Saí de novo. Fui. Sentia-me um guerreiro no portal da vida para enfrentá-la e dominá-la sem dó.
Voltei com frutas e pão. Mas passei a noite tomando água para amenizar a sede e a fome que não paravam de me perturbar. A fome esperava por esse momento de dignidade e a ansiedade de uma criança que quer estar em uma roda gigante pela primeira vez.
Enfim meus cabelos foram penteados por um pente de plástico da marca Flamengo, deixado por um antigo morador e utilizado por mim da melhor maneira possível, enquanto seus dentes de plástico ainda duravam, eu utilizava-o.
Depois de estender as toalhas molhadas na janela, recolhi o resto do sabonete acumulado na saboneteira de plástico, guardando-o para mais tarde. Ainda úmida, minha calça de tergal cinza servia-me de conforto. Meus versos superavam as situações da vida. Retirei de um dos bolsos um papel amarelado com um verso escrito em uma língua estranha, talvez um português arcaico. Uma tinta borrada dava uma cadência inesperada ao verso que sofria para ser transposto. Falava algo sobre uma noite em uma casa fantasma. Falava da história de um policial que morava na favela, e vivia cercado de prostitutas e fantasmas. Amassei o papel e fiz uma bolinha que joguei pela janela. Aquele poema não merecia ser visto por ninguém, pois só a mim essa dor pertencia.
Aquela dor, ninguém representaria melhor, do que somente eu merecia passar por aquilo que não tinha feito. Não existe amor, somente um sentimento que vai e vem de situações que merecem serem lembradas como sinônimos do destino. Mas que destino é esse que não traça um caminho na qual possamos segui-lo? Tudo bem que destino não precisa de estrada e nem de caminho, e que não seria destino se fosse assim, pois a cada destino uma vida pertence e não existe trilha a ser seguida. Todos temos o livre arbítrio. Que verbos eu não transporei? Adulterei o meu RG pra que? Somente eu sou o responsável pelo caminho que escolhi pra minha vida e ninguém nada tem a ver com isso, nem comigo, nem com o meu destino, que somente a mim pertence, e não mais a ninguém. Somente a mim.
Bati a porta com força e fechei com a chave. Muitas pessoas que saíam para trabalhar, perfumadas e com roupas passadas, me olhavam com insignificância. Pasmos, olhavam minhas roupas que de tão amassadas, pareciam ter sido tiradas de uma garrafa. Sentia-se no ar o cheiro do suor de dias de rua que não saia com facilidade das roupas. O suor já fazia parte da roupa. Era uma mistura de “inhaca” e sabonete de hotel sem cheiro algum. Neutro para a vida. Isso depois que passei um pouco de pasta de dente no cabelo como se utilizasse gel. O meu cheiro era uma mistura de cheiros propícios das lembranças de uma vida quase próspera. Na realidade não era isso. Era discriminado.
Quando comecei a descer a escada de madeira, suas taboas rangiam como dentes sobrepostos ao frio quando tropecei e caí, sendo motivo de riso e desmoralizado por todas as pessoas do hotel. Que mal tinha feito para cair do pedestal? Que mal eu fiz?
Apoiando no corrimão, levantei-me com um ódio mortal, olhando e disseminando todos. O olhar que corrompe, é o mesmo que mata. O sangue estava nos meus olhos.
Fui direto até a cozinha e sentei-me num banco próximo a mesa que estava quase fora da pensão. Ao meu lado, pequenas mudas de arrudas e algumas Maria sem vergonha nasciam descobertas. Um senhor que estava na mesa levantou-se e mudou de mesa. Comi uns cinco pãezinhos depois de uma longa noite de espera bebendo água como se fosse gado no nordeste. Pão com manteiga e geléia, queijo branco e café com leite me confortaram neste dia como uma bênção dos Deuses, e uma dádiva esquecida de outrora. Parecia que o grande Deus uma vez olhava com sua grande luneta para mim, que mesmo sem sombra, representava alguém para ele. Então falou assim para mim: “Esse é o cara ou é aquele cara?” Se a sua propaganda for forte sua venda é maior. Mas porque eu tinha que sofrer tanto? Porque existiam tantos caminhos a serem transpostos? E porque tudo se resumia a um bom café da manhã? Providências ou providências divinas?
Depois que comi uns cinco pães com manteiga e geléia, além de quatro xícaras de café com leite, tentei esconder um pedaço de queijo sem êxito por debaixo do sobretudo. Muitos olhos me observavam e me fuzilavam. Continuei a beber o último café.
Entreguei a chave do quarto ao dono do Hotel e fui trabalhar no farol da Rua Major Sertório, onde meus trocados eram melhores, e onde conheci ciganos da Romênia, oriundos da guerra. Camelôs já trabalhavam com suas bancas desde ás quatro horas da manhã, pois a Santa Casa varava a noite e as ocorrências sempre aconteciam de madrugada, e São Paulo de madrugada é outra cidade, não é essa que conhecemos de dia. O mundo é assim, e quem quiser que resista a ele, sem dó nem piedade, sem sono e sem vela, mas que vale a pena vale. Só me resta o farol, somente o farol. Para isso, pego o rodinho de espuma e depois, em uma lata de água, dissolvo o resto do sabonete que está em meu bolso e começo a lavar os para brisas dos carros no farol, sempre repletos de não, por favor não faça, mas minha insistência e carisma fez com que eu conseguisse mais um dia para dormir em um hotel. Enfim, mais um dia de dignidade para mim. Seria fácil arrumar um papelão e dormir embaixo do minhocão e depois acordar todo urinado e cheio de fezes. Mas, para mim as coisas tinham de ser de um outro jeito, pois eu podia gastar tudo que tinha em uma noite de hotel e acordar com a dignidade de um homem. Dormir e acordar para mim, agora tinha um outro significado. Queria deixar de ser um homem sem sombra. Olhar para um espelho e ao menos ver o meu reflexo brilhar.
O homem sem sombra acordou, olhou o céu que brilhava azul por sobre a janela e exaltou. Tentou levantar da cama, mas deu uma risada e deitou de novo. Macia como era, levantar da cama é um problema. Sair da cama macia e ir até o refeitório e passar por situações conturbadoras , sentir medo das humilhações, lembrar dos dias passados, e de tudo o que poderia estar por vir. Todo dia era um dia diferente e a batalha era conseguir algum dinheiro por dia, e prolongar a vida dia após dia, e depois de meses, o medo das humilhações era maior, pois ninguém te respeitava.
Ficar naquela cama aconchegante, que era tudo de bom. Eu ouvia do quarto um casal que depois de uma briga, fazia sexo e me excitava. Como eles gozavam e como me davam um tesão nesta hora. Daria tudo para gozar assim como eles. Como é bom gozar. Fazer amor e sentir o orgasmo em meu ser. Eu sou, e é a última palavra da qual me lembro. Não me lembro de mais nada. Estou á uma hora da minha quebrada. Vivo uma vida meio estranha, amo a vida e esqueço os versos quando estou frente a frente com a morte. Algum dia eu vou dar sorte. Odeio essa sorte que não vem. Nem a que vem de trem, do velho trem que vem e que vale a pena tentar, tentar...

Lembrei-me de uma outra palavra antes de ir para o café da manhã. Liberdade!
Essa é uma palavra ou pensamento que representa muito para mim. Vivo uma vida meio estranha e amo a vida e esqueço os verbos quando estou frente a frente com a morte. Mas, quantos pães irei comer pela manhã?
No Hotel, todos me olhavam e me viam como um ser estranho. Eu era uma pessoa que não representava nada para eles. Era uma palavra que não podiam engolir, porque ia vencer, ia conseguir um lugar na sociedade e, pela minha insistência, sobrepor tudo o que a sociedade me tinha imposto: a submissão. Eu era uma pessoa que não representava nada para eles, mas para mim, a vida tinha um significado. Sempre respeitei as pessoas, os núcleos sociais, pessoas que pensam e que buscam alguma solução para os seus problemas. Aonde iremos que não podemos? Em que lugar eu posso falar? Lugar entre as estrelas é o que procuro. Além do muro da solidão. Tento ao menos ser seu irmão. Busco como sempre busquei. Ser ousado, tirando um pelo outro, modifico as formas e volto depois dos quartos quentes a morar nas ruas sobre papelões molhados. Qualquer lugar é um lugar desde que eu durma sossegado.
Meu tempo é curto e curto o que tenho a curtir. Meus versos estão por aí tentando identificar esses momentos que são irrisórios. Mas, que passos a mais eu tenho que dar? Que momentos não posso lembrar? Que sombras eu não vi! A não ser a minha que nunca se postou ao meu lado! E durmo assim, calado...
Tentei levantar, mas não consegui. O papelão estava molhado de gasolina e eu estava todo amarrado. Alguém tinha feito aquilo comigo enquanto eu dormia entre os escombros de uma casa abandonada. Havia invadido aquele lugar e as pessoas ou outros moradores queriam me expulsar. Não conseguiram colocar fogo em mim, pois eu me livrei das cordas. Estou vivo e cheirando a gasolina, fedendo como um posto, mas querendo dar o troco para quem me fez isso. Lavei-me em uma bica de água com um resto de sabão de coco e me esfreguei até a gasolina sair por inteiro.
De repente, estava frente a frente com o meu opressor. Ele era alto e negro e era militar. Tinha sangue nos olhos e me olhava com desprezo. Ria de mim com um sorriso sarcástico, e me odiava sem ao menos saber quem eu era. Estava bem a minha frente e pronto para me bater. Humilhou-me com verbos e palavras de baixo calão. Sabia todo um repertório delas. Conjugava os verbos e não me deixava conjugar os meus. Era prepotente e arrogante.
Mas, num espaço de tempo que tive, entre uma explanação, pude ao menos expor em algumas frases, um pequeno pensamento que começa a falar sobre a minha vida, com exemplos como o de Borges, de Blake e as lições de Jesus, da vida e do sofrimento que ele nos causa, e então, vi seus olhos se encherem de água quando ele ma abraçou. Ele me beijou e me levou para sua casa, depois que toquei seu coração.
Depois que contei minha vida, abandonando minha família aos 16 anos ele entendeu o que eu tinha para lhe dizer, e o porque estava nas ruas. Superei o mal, como uma lição de vida, assim é que me apresento, e é nesses momentos que sabemos realmente quem é quem.
O policial me deu a mão para eu me levantar. Pensei que ia apanhar como sempre apanhava todas as noites quando a polícia chegava. Depois que chegava a sopa, distribuída pelas entidades espíritas, as coisas melhoravam. Era sempre assim.
Mas não, a triste realidade o levou a refletir que a vida não era assim, e que tínhamos que nos ajudar uns aos outros. Todos éramos irmãos nesta guerra sem palavras e o que importa era sobreviver na selva, mesmo que seja embaixo de papelões e jornais.
Depois que me abraçou, o policial me levou para a sua casa, e conversamos sobre a vida, e vi como, tão triste era a sua. Falou das perdas, frustrações, e de como tinha entrado pro exército, ceifando sua vida.
Eu o reconheci, e o destino aprontou mais uma das suas. Tínhamos servido o exército no 2º BPMC em São Vicente nos anos 70, na qual eu tinha me formado Cabo. Ele me reconheceu, hoje tenente e ontem meu subordinado. Mais uma do destino, que só aprontava com a minha vida, dia após dia, brincando como um passatempo de uma nostalgia vindoura. A bebida tinha corrompido minhas idéias e toda a minha vida.
Depois de um banho e um bom lanche, começamos a conversar, e nossas vidas enfim ficaram próximas. Com família, mulher e filho pequeno, o militar me serviu uma xícara de café e me deu roupas limpas. Contei a minha estória e ele chorou. Viam-se lágrimas escorrendo para sua barba que às absorvia. Quando falava em sentimentos, via sua expressão se modificar e seu coração bater mais forte. Não tinha como fugir! A vida era assim, e não falar dela era mentir para si mesmo. Retrata-la da melhor maneira possível era uma forma de representá-la, era por essas coisas eu sentia orgulho e estava representando da melhor forma o meu sentido de viver. E isso era o meu barato.
Um homem sem história não é um homem é apenas, um ser que passou pela vida.
Depois disso, nos despedimos e eu voltei aos faróis e vielas para conseguir algum trocado, lavando carros, jogando bolinhas e varrendo a calçada, tudo isso por alguns momentos de felicidade e dormir em um hotel no centro da cidade de São Paulo, vivendo momentos de amargura e outros de muita felicidade, pois a cada dia, se aprende nesta vida e um dia nas ruas, equivale a cinco dentro de um prédio com a família. Se é que isso pode se chamar de família. E assim procuro em todo o canto, a minha própria sombra. Talvez algum dia consiga, vasculhando pelos cantos das quebradas distantes, eu consiga, enfim encontra-la.

Eu continuava escrevendo com caneta que não tinha tinta. Escrevia em papeis molhados que se dissolviam nos bolsos, poemas nunca acabados. A vida parecia dissolver-se e eu não conseguia formar uma linha do tempo. Uma seqüência na vida. Mas continuava.
Arrumava dinheiro nos faróis que depois eram arrancados das minhas mãos pela sobrevivência do dia adia e sempre foi sempre assim, sem perdão ou causa. O que entra agora sai, e nunca iremos recuperar em nossas vidas o tempo perdido, nossa dignidade que escoa como água suja que se vai para a boca de lobo, entupida por um orvalho soturno de uma noite de lua. Apenas se vai, e pela noite, nós nem sentimos quando ela se vai. E a cada dia, levanto a minha espada disposto a brigar e a romper os verbos com o bom combate. Aquele que luta pela vida, pelo ser, e pelo momento único de estar no lugar certo e na hora certa. É por isso que vale a pena lutar. Só por isso. O que entra agora sai, e nunca mais iremos recuperar nossas referências de vida que se perdem. Nossa dignidade escoada como uma água suja que se esvai para uma boca de lobo entupida pelo orvalho soturno, de uma noite sem lua.

Mas a cada dia eu levantava disposto a guerrear e com minha espada, romper os verbos e o bom combate. Sempre ouvi alguém falar neste tal de “bom combate” e depois disso, batalhava todo o dia para poder dormir em um hotel pulguento e sair à primeira hora depois do café, tal como quem fosse para uma guerra, e vencer uma batalha por dia, e na trégua, poder dormir em um hotel e começar tudo de novo no outro dia.

Saindo da Merda

Assim foram se passando os anos, vencendo batalhas e perdendo outras. Nunca a guerra. Isso foi por toda a minha vida. Muito depois, de verem a minha batalha, me arrumaram um emprego de porteiro no mesmo prédio em que Zé se matou: Edifício Itália. Um lugar que se tornou parte da minha vida, e metade do que restou dela, sempre por ali, no centro da maior cidade da América do Sul; São Paulo.
Descolei até um cantinho bem aconchegante. Arrumado e com algumas plantas e móveis que achei nas ruas de Higienópolis e em algumas caçambas no centro.
Encontrei uma escrivaninha e até uma máquina de escrever Olivetti 45 bem antiga.
Arrumei a fita dela e depois de um pouco de óleo, consegui escrever na minha Olivetti 45, que por sobre a minha escrivaninha, me dava o ar de um escritor. Ali, depois da meia noite, comecei a escrever os meus poemas sobre a cidade. Lembrei-me de Mário de Andrade, que escreveu sobre esta cidade fria, versos até hoje lembrados.
Quanto a mim, um pingo de luz, um breve vaga lume que acende a apaga: vai ou não vai, vai ou não vai. Então, eu fui sem medo.
Um dia fui tomar café em uma padaria ao lado do hotel que eu dormia antigamente, quando conseguia dinheiro nos faróis. Estava com o paletó com o nome do edifício na qual eu era zelador: Edifício Itália, escrito em amarelo em cima do bolso lateral, bem próximo do nó da gravata, que custei para aprender a dar.
- Conheço aquele cara ali! Disse um velho que morava no hotel e que sempre me desprezava quando me via, mudando de lugar na mesa do café da manhã. Olhou-me e cumprimentando-me, fiz que não o vi. Era o meu troco pelas várias humilhações que passei naquele hotel pulguento.
Trabalhando no Edifício Itália, fui muitas vezes até o terraço e lembrava de Zé, da minha cumplicidade, e de sua bela família, seus filhos adolescentes, que hoje, acredito estarem trabalhando e levando a vida, além de não esquecerem a cena: Zé caindo e se estatelando em uma Kombi de cachorro quente lá em baixo. O seu último e quarto olhar, vai permanecer na minha mente para sempre. Pensava também em sua esposa e na falta que Zé deve estar fazendo à sua família. Senti-me culpado por levá-lo até o topo do edifício, e que por ironia, agora é meu trabalho.
Aquela culpa corroia meu coração, mas o que eu podia fazer? Tinha que tocar a minha vida e viver cada momento como se fosse único e aproveitar as poucas oportunidades que a vida oferecia. Eu não tinha maldade no coração, um homem fiel a Deus e seus princípios, por mais sofrimentos que estes me causavam. Não me agarrava ás leis dos homens, mas ás leis de Deus.
Agora eu freqüentava a padaria da esquina em frente á Santa Casa. Comia salgados e até pagava para alguns mendigos, que muitas vezes na noite, dormiram ao meu lado. Eu sei o que é isso, e se por acaso, o destino dar meia volta, eu soube me virar.

O tempo é curto e lembro de Zé o tempo todo. Ele sempre me ajudava quando eu estava na rua. Eu precisava fazer algo por ele e por sua família, mas não sabia por onde começar. Onde eu devia procurar? Onde encontrar sua família e tentar ajuda-los? Era preciso fazer algo.
Nas reuniões do condomínio eu organizava as atas e dava opinião para a melhoria e o atendimento na recepção melhorou muito, principalmente depois da instalação de câmeras de vigilância sugeridas por mim. Portões eletrônicos, senhas na portaria e vistorias pelos andares foram outras sugestões. Sempre acatadas por todos.
Tornei-me um líder no condomínio, cujo conselho nada faziam, se não tivessem a minha opinião.
Um outro edifício ali perto, o Copan, soube da minha fama como administrador e o seu prefeito, -o edifício tinha até prefeito- me encontrou na padaria da região e começamos a conversar quando surgiu uma proposta dele. Era um cara bem bacana e me ofereceu casa, vale refeição, carteira assinada, e auxilio alimentação. Pestanejei, pois minha amizade no edifício Itália tinha se firmado, e não podia desapontá-los, mas depois todos ficaram felizes por mim. Minha vida estava melhorando aos poucos, assim o quanto eu caminhava, e ao olhar pra cima, sempre via uma esperança no mínimo que fosse.
Somos no total 108 funcionários, cuidando para que o prédio fique em ordem, apesar do movimento de visitantes. Entre toda a manutenção realizada, a da parte hidráulica, como os vedantes e reparos de válvulas de descarga são trocados de graça para os moradores. Com esse serviço, tivemos uma economia de 40% na conta de água, e a redução de um milhão de litros de água por dia para 600 mil litros.
Além da manutenção gratuita, a prestação de outros serviços, pagos pelos condôminos, dá ao condomínio uma renda extra. São serviços de marcenaria, pintura, pedreiro, elétrica, hidráulica. É a autogestão que agora conseguimos adquirir uma estrutura de empresa. Também o aluguel de áreas do edifício para a gravação de comerciais costuma ser rentável para o condomínio. Assim, a receita de cerca de R$ 300 mil mensais vem permitindo a realização de obras importantes. Dos 20 elevadores que servem os seis blocos de apartamentos, 12 serão substituídos e já foram encomendados para a Otis, empresa de elevadores. Para tornar qualquer obra viável, estamos atrás de parcerias, aliás, palavra-chave nesta administração da qual hoje faço parte, e ao utilizarem a imagem do edifício, -um cartão postal de São Paulo - dará um bom lucro. Ali, de cima do 38º andar, se pode ver toda a São Paulo, sua poluição, e o mais bonito por do sol. Você parece que sente o hálito de Deus no seu rosto, sente sua presença iluminando o local. Nos meus dias de folga, costumo ficar ali, escrevendo sobre esse mundo, sobre como vim parar aqui e o que eu faço de bom para a melhoria das pessoas, para o meu relacionamento, para a minha felicidade. Assim eu lá, passei vários anos da minha vida.
Barões, lordes, professores e mestres, alguns maçons. Estes,desconfiam até da mãe. Mas ávidos em seus princípios do começo ao fim. Pessoas difíceis de domar. Mas eu domei. A cada dia eu matava um leão e sangrava outro pra matar no outro dia.
Não sabia em quem confiar. Quem eu posso estender a mão? Como é difícil viver andando sem confiar. Escrevo o verbo porque no verbo eu posso confiar. Não ligo que falem de outro time, que não posso reconciliar. Escrevo o verbo na qual posso reconciliá-lo com a vida. Meus verbos são meus estandartes. Caramba! Eu gosto das pessoas. Meus amigos são todos corintianos. Parece uma doença, mas são meus amigos e não quero perdê-los por nada. Nunca pensei que ia falar dos corintianos. Mas que loucura é essa e que valores são esses que essas pessoas esquecem e se matam por um time? Beleza suposta? Não posso pensar. Estranho! Amar? Augusto augure qual quer... Lindas mulheres, quais queres mulheres que querem um dia voltar. Amar alguém ...
Vi várias criaturas na aldeia. Elas brincam o tempo todo nas heras e no lodo. Brincam crianças no alvorecer. Suas idéias são ideais meigos e precisos no tempo. Querem alcançar o verbo bem distante. Aquele que alcance bem distante o seu ser mulher com o verbo tristonho. Estranha mulher de casaco. Holocausto risonho transposto na memória de um tempo que já se foi. Porque falar de algo que se foi? Porque mentir a si mesmo e invocar verbos que estão ao longe do longe, como diz o poeta. Mas a estranha mulher vem pelos meus versos e me olha nos olhos procurando uma explicação. Não! Não quero responder, porque senão vou falar mal: Aonde vou que não vou dizer?
Porque esperar pelo ventre pra morrer todo dia, encostado na parede decadente dito as regras. Ninguém vai me impedir de assistir ou adiar o nascer e ver o dia anoitecer. Prevalece à loucura que procura o testemunho de quem está encima do muro. Que é escuro mais brilha quando o estandarte está para brilhar.
Descobri que eu tenho muitos textos. Muitos deles são antigos. Alguns de décadas passadas. Alguns já não existem mais. Muitos são sonhos. Algumas memórias e outros contos que são risonhos, e loucuras que são as histórias. Loucas loucuras sem pé e sem cabeça. Alguns contos você esquece e outros você não. Esqueça, pois são tristonhos.
Em Santos, a maioria aconteceu. Outros, em São Paulo renasceram. Histórias passadas envoltas de holocausto ao embate de uma visão qualquer, que sempre tem que ter mulher, orvalho tristonho que não tem tamanho, risonho e belo é a taça de vinho que transborda e sangra. Tamanha a opinião que devo firmar. Dançando e levantando a poeira, mas a ti eu devo servir e tentar te levar, ao mínimo, uma taça de vinho no meu estandarte! Mas que arte é essa que não te faz pensar? Vejo-te, dançando e levantando a saia no asfalto que reflete as tuas angústias, Astúrias e palmeiras ao vento...


Visões Noturnas

A noite está fria. Moradores de rua se cobrem com papelões. Dez graus é o mínimo. Restos de jornais. A noite promete um vento que sopra e rasga a fronte. Frio tristonho. Motociclistas passam para lá e para cá trazendo novidades e drogas. Os travestis estão loucos. Olhares para os subterrâneos da cidade que não para. É onde o sangue corre nas veias das ruas cinzentas repletas de homens e mulheres da noite. Tuas veias estão repletas do sangue dos homens. Mas, a morada é dos ratos. O submundo da vida é a não vida e a não morte. Talvez um purgatório risonho como um fantasma que nasce de muito longe. De um lugar que não sabemos onde fica. Assim é o caos e de lá não podemos sair, morrer no inferno das ruas e não sobreviver no asfalto, a isso ninguém merece.
Viajei por mais de dois dias até chegar ao centro de São Paulo. Cheguei aonde queria chegar. A esse caos eu pertenço. Morrer no caminho a passos largos...
Olhava para o lado reparando nas pessoas que pelo rabo de olho também me olhavam.
Carros soltando uma fumaça preta iam e viam em todas as direções. Seres coadjuvantes da vida passavam nas calçadas sem rumo. Não podemos fazer nada sozinhos. Mas afinal, quem é o chefe? Quem manda neste planeta? Quem tem as armas?

Arranhamos o tempo assim como queremos falar das guerras e do terror sem pensar nas crianças. Mas a terra continua a girar e o mundo quer mais poder. É esse o poder e o sangue que se desfaz em uma nuvem de pó. Mas o melhor, é que sabemos da existência dos senhores da paz. Eles estão em todos os lugares. São seres estranhos que querem o planeta legal. Bom, nada deve ser por acaso. Tudo tem um significado. Não precisa ter mestrado nem ser professor. Basta um pouco de humildade e saber distinguir a diferença e ter uma maneira de entender a vida. Morando entre papelões e latinhas eu não posso ser feliz? O lixo é apenas a conseqüência do consumo desenfreado do mundo. Mas o que acontece se eu não sintonizar a minha mente com o mundo? Ora Doramundo, o que faço eu pra tocar um blues e todo o planeta me ouvir? Gritar com corvos aflitos? O que faço eu?

Acordei com um carro acelerando em uma oficina em frente de onde eu dormia. O minhocão era o grande hotel ao ar livre que protegia os mendigos do tempo. Fazia barulho acelerando bem alto pela manhã. O barulho era irritante, principalmente para quem passou a noite acordado se embriagando de uma pinga de tambor de plástico, cujo valor, era arrecadado por todos com um punhado de moedas. Mas, o mecânico imbecil queria mesmo era me atazanar, soltando suas risadinhas olhando para nós que dormíamos sobre os papelões. Sempre sujo de graxa, mas tinha dinheiro e eu não. Poderia ser mais esperto que eu, com carteira assinada e tudo mais, mas era um ajudante, e o pobre, quando está por cima da carne seca, realmente se acha.
Do chão, entre papelões e pedaços de pano, via que seus olhos olhavam os meus com ódio, vermelhos pela bebida noturna e o cigarro que amarelavam seus dentes. Olhava-me querendo me matar, tamanho o seu ódio. Também, eu defecava na sua porta todo dia e ele, por ser ajudante, tinha que limpar a merda que eu e outros mendigos, deixávamos em sua porta pela manhã, depois que a pinga derretia minhas tripas. Depois que ele levantava a porta e o odor de merda subia, ele nos olhava e seus olhos soltavam raios de ódio para nós. Fedor de restos de comida misturada com a cachaça de tambor de plástico, que bebíamos todo dia antes de dormir quase pela manhã.
Quando ele me olhava pela manhã jogando creolina e água na frente da oficina de seu patrão, eu sabia que algum dia ele ia dar o troco em nós. E esse dia infelizmente aconteceu em uma manhã.
Depois de acordar com o ronco do motor de um carro, vi de rabo de olho o ajudante vagabundo cochichar com outro mecânico olhando para nós, mais especificamente para mim, dando risadinha e apontando. Sabia que em breve o bicho ia pegar e tinha que me mandar daquele lugar agora. Não deu tempo. Virei para o lado e de repente os dois estavam ao meu lado, só dando tempo para me cobrir com os papelões e receber as pauladas. Foram várias pauladas até uns transeuntes intercederem, e o dono da padaria os botar para correr. Até aí eu já estava bem ensangüentado na cabeça e boca, além de ter me cagado todo. Sentia um gosto de sangue a álcool na boca. O dono da padaria me acudiu e trouxe gases e esparadrapo e ameaçou chamar a policia para os ajudantes de mecânico, que riam sem parar.
O papelão que eu dormia estava borrifado de sangue, e minha calça de merda. Onde estava a minha sombra pra eu me vingar deles? Onde estava você que me abandonou nesta hora em que mais precisei de você? Não posso mais viver sem sombra... Não!
Com meus olhos, fitei-os odiando-os e desejando uma vingança digna de um mendigo da mais alta estirpe. Era o que eu era. Um mendigo da mais alta estirpe treinado por Zé, meu eterno companheiro, que se atirou de cima do Edifico Itália, onde depois fui zelador.
Depois de dois dias, não mais dormindo ali em frente, reuni cerca de uns dez mendigos e bebemos e comemos tudo quanto era porcaria noite adentro. Pela manhã, bem cedinho, depois da barriga fazer tanto barulho, que mais parecia dois cachorros brigando lá dentro, abaixamos as nossas calças e cagamos em toda a porta, calçada, maçaneta da porta e todo o local com nossas fezes. Foi a maior sujeira, motivo de todo o quarteirão ficar falando por uma semana. E de cima do viaduto ouviam-se os palavrões:
- mendigos filhos da puta! Vagabundos, desgraçados, sem vergonha, safados, bêbados...
Estávamos vingados! Podia andar sossegado, mas não por ali. Olhava a cidade, o sol vermelho como meus olhos, mas, infelizmente, ainda não via a minha sombra...

Cinzas nas sombras

Dormir a noite sempre foi uma briga. Existiam guetos de mendigos e viciados por toda noite. Também não podíamos atrapalhar o trabalho dos travestis que, se estávamos perto de seu trabalho, ora jogavam água quente em nós, ora urinavam. Tínhamos que sempre estar longe deles. Alguns travestis guardavam drogas com alguns mendigos. Mas eram poucos, não nos misturavam com eles. Sempre fomos á escória da humanidade, e, igual às putas, atravessamos os milênios. Às vezes invadíamos lugares que estavam abertos ou descobertos de proteção, pois não queríamos estar expostos aos predadores da noite. Eles são seres inescrupulosos que invadem os lugares onde estão os mendigos dormindo e os matam. Quem dormia bêbado em uma noite fria poderia ser morto por esses predadores. Era a sina da noite fria. Predadores da noite. Noite, na qual todos os gatos são pardos. O alimento de um mendigo que não tem medo de matar um gato, um rato, ou um pombo para comer. Caçar pombos embaixo do viaduto é um esporte para poucos. Mas era a especialidade de Zé, que os temperava como ninguém. Mesmo um dia antes de sua morte ele subiu nas costas de um outro mendigo e pegou um pombo gordo enquanto esse dormia em um buraco na parte de cima do minhocão. Zé tinha uma técnica na qual juntava várias redinhas e capturava de três a quatro pombos por dia. Ele era o bom. Sabia alimentar os amigos e até vendia ou trocava por pinga os pombos, muitas vezes até já limpos. Cozinhava-os em uma lata de tinta grande e arrumava tempero pelos jardins da Santa Casa, que por sinal, conhecia muito bem.
Todos comiam e eram bem vindos os que estavam com fome. Pela noite, até barata torrada se comia com pinga. Depois do primeiro gole, o que viesse era lucro, pois saco vazio não para em pé.
Na rua, você não tem nome. Zé, Jão, ou algum pseudônimo qualquer. Tipo: Bahia, mineiro, paraíba, ou alguma coisa pior. Ninguém tem um nome na rua. As latas são o dinheiro e colecionar bitucas um vício. Carrinhos de catadores de papel é um luxo. Quem consegue um, consegue sobreviver fácil na rua, principalmente em uma cidade cujo centro produz mais de uma tonelada de lixo reciclável por dia.
Os casarões velhos do centro, principalmente o castelinho, são invadidos por moradores de rua e ali fazem uma sub locação. Mas todos são sujeitos aos predadores da noite. Pessoas inescrupulosas que matam por matar e roubam tudo o que você conseguiu no dia. Matam, correm atrás dos mendigos que fogem para um lugar claro, pois os predadores têm medo da claridade e só agem na escuridão. Pobre vida sem sonhos...
Quietos, sabíamos que podíamos ser interrompidos no meio da noite pelos horripilantes e sem escrúpulos predadores da noite. O mal talvez que necessário. A memória póstuma que está por vir.
Não existia amizade entre moradores de rua, somente uma troca de favores. Ninguém deve a ninguém, e se dever, pode não acordar nunca mais. Era uma lei da noite. Uma lei que ninguém fez. Ela fala algo sob sobreviver. Apenas sobreviver e poder acordar no outro dia.
Passar os dias naquele quarto pequeno era um martírio para mim. O cheiro de mofo das paredes esverdeadas me entupia as narinas. Guardei alguns livros velhos, que por acaso achei nas caçambas. Próximas da Praça da Sé, caçambas eram vasculhadas por todos, e algo se podia achar, alguma coisa que significasse algo em nossas vidas e nos entretece. Um momento único. Dei sorte! Achei um abajur do séc. XIX que vendi por cinqüenta reais. Um criado mudo me rendeu quarenta. Achei um paletó da Mesbla de linho que me serviu igual uma pluma. Andava como um lorde no viaduto.
Eu e minha jaqueta nova e mofada, cheia de marcas e frisos marcados, bolsos fundos e rasgados, fios desfiados, desmembrados em um tempo ligeiro, na qual, o tempo eu não consigo medir. Meu tempo é curto e minha vida na rua é longa, pois cada momento significa um estágio que se passa. Mas onde eu vou brilhar? Qual caminho eu vou seguir... Nesses versos que eu escolhi para ser o meu caminho, não sabia que ia ser árduo e cheio de espinhos, mas nunca negligenciei por onde eu poderia passar. Segui em frente. Não podia confiar em nada. Nem em ninguém.
Uma vez achei uma TV de 21 polegadas que de tão velha, achei que era uma relíquia, e dela, eu poderia arrumar um dinheiro. Pura mentira, pois a partir dela eu só achei estrupício. Zica, para não dizer pior. Negar o verbo eu não sei. Mas na noite fria, ter o que conversar e reclamar, os papelões eram os que ouviam por horas as reclamações da vida e dos tempos que se foram, tempos que nunca mais poderemos recuperar.
No espelho meus olhos marearam, enquanto que nos outros quartos, porcos roncavam nas mais variadas formas e vozes incrédulas, ecoavam pelos corredores do Hotel sem fim.
Depois de muitas vezes ainda é uma segunda feira e eu tenho vontade de tomar uma cerveja. Parece que quero tirar um peso de um começo de semana que mal começou. Libertar-me do caos que mal começou, dia a pos dia a energia vai se acumulando como uma pilha em sua cabeça. Você por acaso tomou sol e entrou no mar depois de uma chuva passageira que regou sua cabeça como um jardim? É quando você se torna uma pilha ambulante. Parece que uma lâmpada se acende em sua cabeça esquentando uma panela de sopa que ferve em cima dela. Bem depois da ebulição um caldo escorre da panela e lambe toda a face quando o líquido entra pelas tuas entranhas e revigoram a efervescência...

Aluguei um apartamento de cobertura. Ele tinha uma área útil de 120m2 e a área de lazer uma imensa churrasqueira com plantas ao redor. Bancos multicoloridos compunham o espaço que era planejado para altas festas quando eu o aluguei. Era o segundo imóvel que eu tinha alugado e que mais uma vez ia fazer história. Tudo estava dando certo conforme eu planejava. A cozinha vivia cheia de garrafas que eu jogava em cestos de madeira em baixo da pia. A cerveja tinha que ser a barata, mas não a de baixa qualidade. Comprávamos duas ou três caixas das boas e o resto daquelas cervejas medíocres e da qual o dinheiro nos fornecia. Mas era claro que bebíamos a melhor cerveja logo de cara e dávamos às meninas o vinho tinto doce que era o que elas gostavam. O vinho pegava e era o que as mulheres gostavam. E aí facilmente se encontrava as mais variadas figuras com as mais exóticas preferências sexuais nos quartos da cobertura. E eu, bem louco, administrava tudo.
Pela manhã acendíamos a churrasqueira e um café bem forte rolava para todos. Que aos poucos iam acordando um a um e era quando acordávamos as meninas dorminhocas, até mesmo com uma borrifada, além de uma pomada que oferecíamos para elas afins de aliviar suas entranhas. Algumas lembravam dos cheiros do dia anterior. Pudor, isso não.
Com a carne na churrasqueira fazíamos uma “vaquinha” para comprar mais cerveja e algo mais, coisas que todos gostavam, e após as dez horas um outro domingo começava, enquanto algumas das meninas, depois de um belo banho, deitavam-se no cimento nuas, simplesmente para serem possuídas por nós, assim que nos recuperássemos. E naquele domingo ensolarado, ninguém se preocupava com o que fazia, a não se daquilo do que se tinha feito. Logo depois, algum maluco caía sobre elas tentando fazer o que não fizeram na noite anterior: sexo. Mas ninguém se preocupava com isso, muito menos depois que pegaram o violão e eu peguei a gaita em dó, e acompanhar um som que a muito não acontecia ali, e como sempre, alguém enrolava um baseado até o churrasco ficar pronto e comer carne até o cu fazer bico e depois alguém adormecer nos cantos regados por uma lua de 30º graus e a cabeça fervilha além das narinas.
Quando um lindo céu azul brindou enquanto a tarde se formou e as sombras se espalharam pelas escadas daquela escola em Realengo na qual as aulas foram interditadas, e depois daquela manhã, lá pelas 16h da tarde, todos foram para a sala, em frente à tv de 42” polegadas observavam os jogos e clássicos que estavam passando naquele domingo. Ele tinha que ser finalizado por alguma coisa que representasse.
A cozinha era espaçosa com uma pia de granito e cuba de inox, servida pela longa torneira dirigida para os lados, com uma água fria. Quatro janelas postavam-se em frente a pia abrindo-se para fora, na qual olhávamos prédios na frente, cujos moradores rastreavam nossos passos com suas lunetas e binóculos em busca de nossos passos. Mas eu também os rastreava com uma super câmera infravermelha que me proporcionava toda a vida da pessoa, isso depois que eu jogava isso na rede. Eles nos fotografavam e nós a eles. Uma mão lava a outra. Ninguém dedava o outro. Um desses vizinhos eu o encontrei numa padaria perto da Folha e lhe disse: Fotografei aquela morena de ontem e ele disse que também me fotografou. Ele era um “masturbador” e várias vezes eu o peguei com a mão no instrumento, e de novo ele falou que, uma mão lava a outra e que as duas, lavam uma cara mal lavada...
Nada como um dia após do outro. Como as vacas sanguessugas vão indo de leste a zona sul, nós, puros e medíocres mundanos, íamos trabalhar em uma segunda feira ensolarada com um Ray ban ás 7 horas da manhã. Inalando cerveja pelos poros. Depois eu liguei o computador e a ventoinha parecia que vai explodir. Noto em meus e-mails uma seqüência de agradecimentos da noite anterior de pessoas que eu não conheço. Nossa! O que será que eu fiz?

Depois de um dia longo de trabalho a linha 1 do metrô teve problemas. Parece que o defeito foi na Vila Mariana e é um resultado de uma má manutenção. Os seguranças com suas posturas de matutos empurram os usuários na praça da Sé tal como o fazem em Tókio. Assim é em toda cidade grande tal como São Paulo, cuja malha metroviária perde em extensão para nossa compatriota Córdoba, se tornando uma das mais ridículas do planeta. São Paulo poderia ser melhor se não parasse 20 anos de ditadura. As linhas têm que se cruzar. Esse berço das raças e dessa cultura miscigenada confunde letrados e antropólogos como Gilberto Freire e Darci Ribeiro em tempos de outrora. A busca é baseada em um passado retardatário cujos conceitos são baseados nas leis das milícias e dos traficantes, já que as nossas leis são falhas e ditadas por delegados, agentes e juizes, seguido pela mais pura corrupção da polícia paulista e carioca. Quem diria, mas o Brasil cresceu 6% de um PIB flutuante que está maquiado por uma máscara da OEA que determina onde devemos construir usinas, que não são atômicas, medindo os impactos ambientais na qual nos reparemos com os impactos ambientais, por mais que seus efeitos causem o desequilíbrio entre nossos mundos. Não mudaremos nossos pensamentos nesse século.

Mas depois de tudo cachorro louco voltou para as ruas e continuava a urinar nos postes marcando seu território entre os outros cachorros e cadelas na rua. Não podia ver um poste, uma lata de lixo ou um pneu de carro estacionado na sua frente. Um hidrante também é um bom lugar para uma boa urinada.
Mas cachorro louco seguia seu caminho e procurava em desatino o seu destino. Procurava um lugar para morar. Sonhava com aquela casinha de madeira toda envernizada com um quintal imenso e cheio de plantas para ele arrancar a grama e escavar a terra para cagar. Com um prato de ração bem cheio, água e uma fêmea para fecundar.
Sonhava enquanto urinava em um pneu quando o dono do carro chegou e o chutou. Quis lhe morder mas disse “au" e saiu em disparada. Foi direto a um beco e deu de cara com outros cães, os donos do pedaço. A briga foi feia até um dos moradores jogar um balde de água nos cachorros brigões. Cada um da matilha foi para um local do beco. Mas cachorro louco tomou a direção das ruas em direção á uma praça. Lá acontecia um desfile de cachorros de burgueses e cachorro louco ficou mais louco. Tentou se aproximar, mas foi enxotado pelos donos das modelos caninas.
De novo na rua, atravessou-a e não viu um carro que vinha na direção contrária. Bateu de frente com o pára-choque do carro. Caído no chão, foi acolhido pelo dono do carro e levado até uma clínica veterinária. Bob, filho do condutor, gostou do cachorro, e cachorro louco encontrou um novo lar. Bob, o filho do motorista o adotou e o chamou de Pit. Mas como um vira-lata se chamaria Pit? O que seus amigos vira-latas iriam dizer sobre esse seu novo nome? Mas quem se importa quando se tem uma nova casa e um novo dono? Recuperado, brincava com bob todo o tempo. Principalmente quando Bob voltava da escola. Fazia sua lição de casa e ia brincar com Bob. E Pit, seu novo nome, ficava aos pés de Bob e submetia-se a tudo o que Bob queria.
Depois de alguns meses Bob enjoou de Pit e quis dá-lo a outro amigo. Seu pai percebendo o desprezo pelo cachorro o jogou na rua e cachorro louco voltou a ser o que era, vagando pelas ruas, becos e vielas, até chegar a um posto de gasolina e ser adotado pelos frentistas e receber o carinho que então, ninguém o tinha feito. Ficava ao lado da bomba de gasolina. Dormia tranqüilo ali e era alimentado pela manhã. Tudo de bom.
Mas em uma noite fria ao lado da bomba, percebeu dois motoqueiros em uma moto 125cc ameaçarem seu dono, o frentista João, com uma arma. Anunciaram o assalto, dando uma coronhada em João, o que causou a ira de cachorro louco, que pulou em fúria por sobre o braço do assaltante, mordendo-o ferozmente. Mas acabou tomando dois tiros do outro assaltante que depois disso, subiram na moto e vazaram.
De volta ao veterinário, o mesmo que o tinha atendido em épocas anteriores, sobreviveu. Seu dono, o frentista do posto, levou-o para casa e cuidou dele. Tinha restos de comida e água e um canto para dormir. E tudo estava legal para cachorro louco por enquanto. Seu novo dono acabou se envolvendo com o tráfico para aumentar a sua renda. Guardava as drogas na coleira de cachorro louco que não sabia de nada. Seu dono dava até uma provadinha pra cachorro louco que acabou gostando do pó e queria sempre mais do seu dono. Chegou até a derrubar algumas trouxinhas da coleira e rasgar com os dentes. Via seu dono cheirar, mas ele lambia. Ficava bem excitado e cachorro louco queria uma cadela para ele. Seu dono não entendia. Mas um dia a casa caiu. E seu patrão foi para a cadeia e ele foi para um canil. Ia virar sabão. Isso porque não temos pena de morte no país, mas os cachorros sim, viram sabão, e é essa a sua pena de morte. Acabou para cachorro louco, e toda sua vida ia se resumir a um bloco de sebo que viraria sabão. E talvez até esfregaria uma linda costa de uma cadela cheia de pelos lindos em um futuro próximo.
Mas chegou um garotinho procurando pelo seu cão no canil. Encontrou a mesma turma de cachorros que ficava no beco ao lado de sua casa. Mas viu um que era diferente. Pit, falou Bob, sendo reconhecido pelo seu antigo dono e pedido para ser devolvido a ele para seu pai. Fedido feito e atendido, cachorro louco voltou para sua antiga casa com Bob, assumindo seu nome antigo de Pit, Onde arrumaram uma bela cadela e tiveram vários filhotes, que se espalharam pela região do centro da cidade, entre os amigos de Bob, que cresceu e virou um homem, enquanto isso Pit, ou cachorro louco, como eu gosto de chamar, envelheceu e fugiu de casa, e hoje mora comigo em baixo do viaduto e me ajuda a procurar a minha sombra.
E lá embaixo alguém me chamou a atenção com palavras dirigidas a mim. Algum segredo ele tinha. Meus versos o cativaram. Parecia que absorvia meu pensamento e meu sentimento foi exposto a uma democracia exacerbada, achada no lixo, pra contradizer com os versos que costumo customizar. Mas verbos são verbos e por mais que consiga dominá-los eu os sucumbo com a palavra bíblica que algo aconteça como notório. Desde que se consiga algo para se nortear, pois hoje é sexta feira, e tudo pode acontecer. Mas meus pensamentos são ligeiros e não param em nenhum lugar. Não tenho um ponto fixo. Nada é concreto e tudo é fluídrico. Meu momento é nostálgico. E dito a palavra do acordo entre nos dois sobre a nossa situação. Sabemos ao menos que na atual situação meu método é a ação e sabemos transpor o verbo e acabar com a mediocridade de um poema mal escrito, como algo que constrói e destrói com a mediocridade de um poema mal escrito. Destrói e constrói os verbos como se fosse manteiga no pão. Absorvem e consomem todo o verbo se transmutando e se integrando entre alunos e professores tentando os menos vapores que supõe a grande trégua que não quer acabar com o verbo transposto. Mas meus pensamentos são ligeiros e não para em nenhum lugar. Não tenho um ponto fixo. Nada é concreto e fluídrico. Meu momento é nostálgico e fiz um acordo com a situação. Fiz um acordo que supõe uma grande trégua entre alunos e professores tentando com o verbo transitório, amar o verbo intransitorio com minhas buscas na qual suponho pelos versos e risos notórios absorvo as tendências de um brilho em tempo tamanho.
Crianças são as que brincam no jardim entre flores e crisântemos. Cravos, rosas e jasmins. Mulheres que nós ficamos a fins. Depois do bar ficamos ruins. Caímos na praça e nos levam para casa. Que acaba em uma cama com gosto de chuva. Tal como se chupa um cabo de guarda chuva. Enruga e empurra o verbo ao léu, quando você tira o chapéu, ele é o cara que não me vê.
Risonhos ainda são teus olhos que com meus versos em meu coração reflete o universo composto de mentiras e suposições na qual algum dia você vai me enganar friamente.
Embora eu demore a perceber não sinto a menor hora para ir embora. Mas assim são os sonhos, os relacionamentos, os tormentos que na rua passamos, sem ter um lugar pra se esconder. E quando chega o amanhecer, o dia inteiro eu soube o porque eu estava virado. Somente percebi isso quando vi um amigo indo, pois já era noite...
E sem lua, as estrelas estavam sobrepostas naquele céu, percebíamos que vínhamos dali e que éramos frutos dos deuses. Não era possível que eles simplesmente nos abandonassem nesses confins do universo, sujeito á própria sorte. Em busca do que é que saímos de nossa casa e pelas ruas tentamos compreender ou buscar uma pista e resolvermos o problema? Não tenho o mapa na mão nem sei se a polícia está de plantão.
Mas o que se vê na esquina não mais se esquece. E quando a escuridão vem, um eco de buzinas uniformes ficam gritando para o asfalto risonho, cantigas que passam despercebidas pelo olhar de quem procura enxergar.
“ Lança teus olhos para as estrelas pois elas nos dizem quais os caminhos temos que seguir...E onde sobrevivemos tentamos ao menos sobreviver com as nossas falhas...




Criança

Chora criança maldita que não foi concebida no ventre eterno. Chora enquanto pode, pois teu choro será ouvido pelo mundo inteiro. Teu choro será um grito esvoaçante que irá ecoar pelas árvores durante um bom tempo. (depois que se enfia a mão no muro para desafiar o cramunhão e tocar a viola feito louco, qualquer desafio é pouco para se ter aquela mulher prometida, e depois de tocar a viola como louco enfim amar.
Canta criança bendita, pois seu destino foi traçado, assim como qualquer nordestino. Tuas glórias virão de acordo com os anos que passam um a um. Bem aventurança repletas de esperanças de um mundo melhor. Mas enquanto uma criança chora você encanta e canta. Enquanto uma outra já febril, bebe papa de arroz de um dia depois. Mas em um canto choram adoçados por uma esperança, uma chuva de lembranças, que caiu sobre a criança para lembrar lá da quebrada na qual algum dia ela existiu. Puta que pariu, porque você mentiu para mim, e olhando nos meu olhos não conseguiu responder... Porque? Que mensagem eu não consegui decifrar? Será aquela que quer me matar? Será que, se ao menos eu tivesse pistas em uma encruzilhada e pediria uma ajuda para um atalho? Mas assim que dei partida no carro ele não pegou. Problema de platinado de novo. Como sempre, ando com uma peça sobressalente. Troquei-a e dei partida no motor e nada. Parecia que tinha que passar aquela noite naquele canavial. Em uma estrada de terra batida, no fim do mundo do sertão de Campinas, onde só se via cana de cabo a rabo por ali. Mas tinha ido até Campinas para visitar uma tia que estava à beira da morte em uma de suas fazendas. E assim que o monza pegou, segui pela estrada até chegar em uma das fazendas da minha tia, quando soube que ela já tinha falecido. Depois disso, após tomar algumas doses de cachaça, voltei com o monza até a entrada de São Paulo, onde em outro matagal, o carro parou. No meio do nada, parou.
Com o carro parado e sem ferramentas chutei a porta pedindo por uma ajuda. Tive medo. Fiquei com a chave de roda na mão e com um canivete velho na outra. Era só escuridão e vento. Muito vento que chamava azar. Chamei o capeta e o esconjurei. Como Deus ia me ouvir naquele fim do mundo? Mas quando evoquei o capeta um silêncio tomou forma em todo o canavial. Nenhum vento, nada mais se ouvia por ali. Chamei-o de novo botando toda a culpa nele, dizendo que se eu não saísse dali eu o desgraçaria para toda a vida. Nenhum vento e nada e nada. Novamente clamado, um vento forte, um vendaval baixou todo o canavial e folhas eram arrancadas e lhes cortavam a face, tal como se algo vindo do além mostrasse algo que eles desconheciam.
De volta ao carro, tentei dar a partida e o carro pegou. Saí rasgando dali em alta velocidade até atingir a estrada de asfalto e seguir de volta a São Paulo pela marginal.
No outro dia, sentado na praça da república eu olhava um Sábio que me olhava. Seus olhos gritavam querendo dizer alguma coisa. Mas depois de o vê-lo no fim da rua eu me precavi. Não sabia o que ele queria dizer ou o que ele queria falar. Qual a mensagem que eu poderia descobrir. Onde estão meus verbos transpostos. Agora em meu augusto momento busco o oposto. A sopa engloba algo que quer ser discriminado com os verbos tristonhos que não tem tamanho...queremos os pareceres... perceberes os encostos...
Depois que pousei o avião eu estava na mata em plena Colômbia. Fiquei no meio do mato vendo vários guerrilheiros passando de um lado para outro achando que aquele avião estava ali para receber drogas. O medo estava em minha mente, mas eu queria sair dali com vida, e aos meus pés, descansavam trinta quilos de pó que caiu do avião. O medo era tanto que eu não conseguia nem cuspir. Parecia que as folhas estavam nos olhado. Ao mesmo tempo uma raiva tomava forma em mim e eu empunhava minha faca do exército. Muito ódio e com uma vontade de matar tremenda. Com a faca na mão eu tinha uma vontade de cortar a garganta do oponente. A cada passo na selva eu via que tinha que sobreviver ali para contar minha história. E isso, mais ninguém saberia...
A morte rangia no ar e o vento trazia o cheiro do sangue que escorria dos guerreiros que brincavam com a sorte tentando sobreviver. Quem são os melhores guerreiros? Que homens, não podemos derrubar? Qual o guerreiro que eu não posso derrubar? Que homens são mais homens aqueles que dizem em suas mensagens onde podemos ouvir nosso rock...
Depois de nove anos (agora dez) rezamos a perda de meu irmão. Encontrei o Ricardinho morto com meu pai no dia em que minha mãe completava 72 anos de vida em sua casa vítima de uma parada cardíaca. Sete de setembro, e minha mãe disse que nunca mais ia comemorar um aniversário. E não comemorou, pois morreu um mês depois. Na semana passada fez um ano da perda de meu outro irmão. 14 de abril, justamente no dia em que o Santos F.C. completa 99 anos, e isso é pra ser lembrado sempre.
Eu olhei para um sábio que me olhava. Gritava com seus olhos querendo dizer alguma coisa. Mas quando saí do bar esse cara estava no fim da rua desconfiei por não saber quem ele era. Qual a mensagem ele queria me passar e porque eu não a compreenderia? Agora neste momento eu busco o gosto da sopa que engloba agora e que aflora. Nos versos, algozes são discriminados. Enquanto acabo com versos tristonhos que não tem tamanho quando queremos perceber.
Porque na vida pensamos na morte? Porque pensando na morte refletimos sobre a vida? E que não estanca as feridas? Corrói o tempo e diz, o que queremos, ao menos ser uma causa nessa vida? Mas que vida é essa que não estanca a ferida? Minha busca ofusca o ventre. Que livre, a frente do verbo, se foi.
Tratores limpam o terreno e deixam aquele lugar meio lírico e nostálgico. Não tenho medo de nada. Isso depois que meus dedos foram quebrados, pois meus verbos falam aquilo que tu não compreendes. Sei que sou um velho, mas tenho piedade de você. Aliás, não tenho medo de você e no mínimo vou quebrar uns dois dedos seus. Isso para você aprender quem eu sou e de onde vim. Mas porque você tentou me alvejar? O meu tiro foi certeiro e você foi derrubado. Foi no meio do peito e tua alma foi brindar com o capeta. Sobrou aquele tiro no ombro que eu tomei e que no Sabóia removeram a bala mais uma vez.
Mas cachorro louco nem botava os pés na rua e já era enquadrado. Mão na parede e geral até os pés. Sem fragrante, dava uma tradicional risadinha e saia pra urinar no primeiro poste que encontrava pela frente. Depois ia embora abanando o rabo, sorrindo para os dois camburões que se postavam um ao lado da mesma rua. Isso lá na frente depois de cachorro louco ver vários postes intercalados a sua frente. Um vento soprou em seu ombro levantando a possibilidade de estar com pulgas. Mas voaram todas ao vento. Isso enquanto coçava suas pulgas, cachorro louco pensava em uma cadela e seu pênis eriçou. Pensou em uma cachorra depois de dois dias dormindo nos becos sendo ameaçado por outros cachorros a noite inteira.
Da última vez que vi cachorro louco ele estava embaixo do viaduto bebendo com os mendigos e prostitutas. Ele estava muito louco. Principalmente quando um mendigo novo lhe deu um chute e ele retribuiu com uma mordida na perna até sair sangue. Todos olharam atônicos e deram risada. Isso enquanto o sangue jorrava e cachorro louco uivava feliz. Mas um rato correu pela sua frente e ele o mordeu. Levou-o até Zé pereira que jogou-o no fogo. Era a última refeição de todos. O banquete dos mendigos.
Enjoado daquela cena, fui até um poste e vomitei. Aquilo era a escória da humanidade e cachorro louco estava lá para comprovar. Sobreviveu por todos os cantos, beijou o chão tal como se fosse caviar. Algo estava errado e a humanidade tinha invertido os seus valores. Errado? Quem está errado tentando sobreviver? Quem não tem medo de morrer? E não ser reconhecido por um parente? Você não pode ficar doente e se desculpar do médico que não quer te atender porque você é soropositivo, não tem onde cair morto e vive nas ruas como um mendigo, não drogado, mas mendigo com honra.
Viva a transgressão, a sobrevivência de roer um osso no inferno em plena Av. Paulista onde você vai mijar em um poste a cerveja acumulada, na esperança de que algum dia essa situação vai melhorar. Quando é que eu não sei, mas que vou continuar escrevendo o dia a dia, eu vou.
Os bares todos abertos. Bocas funcionando a todo vapor. Senhoras voltando do culto e noias pra todo lado procurando o vapor. Qualquer um poderia ser abordado por eles para ser extorquido. É a pedra da qual tanto necessitam. Mas tomar uma cerveja em um bar daqueles requer uma habilidade extrema. Era perda de tempo e dinheiro. A periferia não era mais a mesma depois que o crack chegou. A pedra da qual tanto necessitam. Por menos de dois reais se compra uma pedra. E se o noia fica louco era problema pra todo mundo no meio da noite. Filhos e pais eram reféns daquela porra. Famílias vendiam a TV para comprar um pouco de felicidade representada em uma pedra para fumar.

Quando o orgasmo não vem
É porque a parceria não corresponde
Porque perdeu o bonde
Deixou cair o boné
Que o deixou a pé
Bebeu um mé com a mulhé
Que quer voltar a ser
Mulhé... com axé
Nunca deixou de existir
Insistir no tempo
Montado num jumento
De nós, faz o que quer...

Quais os versos que não
podemos versar... 11/9/10


vivo cantando versos na escuridão
atiro para todos os lados e pra cima
versos que se perdem na imensidão
que da vida faço minha rima

e vou levando vida ao tempo
marcando tudo o que faço
as amarguras eu agüento
rompendo sem embaraço

Depois, vou correr na relva
E ter tempo de espera
Sobrevivi em plena selva
Dos sobre saltos de uma quimera



Mas sigo firme no caminho
Tentando o tempo desvendar
Fugir da bruma, sair do ninho
Liberdade eu vou encontrar...


Sempre procurei a minha sombra. Isso eu nunca pude ocultar. Atrás dela procurei buscar. Um significado pra minha vida lembrar. Lugares eu procurei nos verbos. Cantigas eu sou. Solavancos. Aos troncos eu sou liberto. Quais são os versos que não transpus? Buchas, mas eu estou na retaguarda, que aguarda um tempo qualquer, e que uma mulher quer o orgasmo, entre espasmos e loucuras de um tempo qualquer...

Sou um passo que caminha aos poucos com o passo do palhaço que sozinho encanta no ninho a canção, vivo de alimentação mas não posso ao menos tentar sobreviver sem minha canção até ao menos entender, sobreviver não sei, mas sou aquilo que sou e aprecio a vida como uma ferida da qual eu tenha que cuidar. Amar em tempo reduzido alguém que procura algo além de um dó...mar... 4/4/10

O cachorro babava. Louco como estava parou na frente do hotel e enfrentou as pulgas. Todas olhavam o seu jeito e mesmo sem jeito procurava seu olhar como algo que desse sentido a minha sobrevivência. Ele era um cachorro vivido. Sua história tinha sido contada por outros vira-latas. Com uma angustia escondida, revestida por uma sutileza de poucas pessoas não sobreviveram de minha memória que me fala o quanto de tempo eu tenho para sobreviver.

Um vento sopra vindouro
Estrelas, sob o signo de touro
No mar, parece que vem chuva
Gotas de sangue, suco de uva

Cachorro louco arde bravo
Prisioneiro do dia a dia
Cansou em si, de ser escravo
E liberdade seguir a guia

Mas o vento soprou ligeiro
E nenhum momento faltou
Ventos aos pares e no puteiro
Cachorro louco enfim amou

Pagou pelo lindo orgasmo
O sarro começou onde pisou
Depois do sarro vem o sarcasmo
Comeu ali, ali pagou...

Depois que cachorro louco mijou no poste a escuridão tomou conta de tudo. Uma brisa fria soprava no cangote de todos. Anunciava que um vento vinha atormentar. As horas passam e cachorro louco não sabia o que fazer. Relembrava o passado e era aquilo que tinha para a manutenção de seu cérebro. Amigo é dinheiro no bolso e resolver estas situações é como deixar cachorro louco meio abestalhado. É por isso que abandono tudo e vou para o meio do mato. Quando ando no meio do mato ele me arranha a perna, mas entre eles eu ando sem parar, nem penso aonde vou nem sei como posso sair dali. Mas depois de dar uma boa mijada caminho para dentro da mata, tal como se nada tivesse acontecido. Mais duro do que você estar sozinho no mundo é estar em pleno carnaval. Mas o que o Brasil exporta a não se cana de açúcar? O que você pode fazer a não ser curtir algo que você fez sem ao menos ter acreditado?
Agora estou embaixo do viaduto. Agora sou resoluto. Brinco com o tempo que não me vêm à mente. Agora sou um novo ser e de tudo o que fiz, deixei o que quero fazer. Mas o que posso fazer? Queixei-me outro dia ao dono do hotel. Ele não sabia o motivo, mas tentou aliviar o caos com o orgasmo. Sacrifiquei-me por aquilo que não acredito...
A barriga ronca de fome. Tomo água pra ver se passa. Ao longe vejo duas pessoas brigando por causa de um maldito cigarro. Ele ajuda a matar a fome. A se matar também. Aqueles dois estavam bem próximos disso. Depois se abraçaram e trocaram afagos e cada um deu uma tragada no cigarro. Mais água para a barriga. Um casal discute no ponto de ônibus. Ela pega o ônibus e ele anda um pouco e entra em um bar cheio de travestis. Vejo de longe ele colocar moedas na máquina de música. Pediu cerveja e cambaleou até o ponto e depois que subiu, o ônibus já tinha anunciado que tinha perdido a carteira no bar, ou algum travesti ia brincar a noite inteira com sua identidade.
Mas o galo começa cedo a cantar. Lá pelas duas ele começa e não tem hora para acabar. Depois um cachorro longínquo começa a latir e ele se intercala com o som do galo noturno, e lembra até o latido de cachorro louco, este latido, nesta noite fria...
Minha cabeça agora dói. Ela sempre dói de madrugada. Geralmente quando o galo começa a cantar. Parece que já é hora de se recolher. Não consigo parar de pensar então eu fico escrevendo sem parar, vários assuntos, letras de músicas, vomito sempre em versos palavras vociferadas como um orgasmo ligeiro. Agora está tudo um silêncio que me remete ao vazio. Mas quando se procura uma caneta não se acha. Mas é só olhar pro chão que lá está ela. Meus olhos viraram enquanto procuro a Bic pra assinar os versos. Nos cantos da sala, no aparador e nas mesas, é lá que se encontram as canetas. Agora ta tudo um silencio que te remete ao vazio. Esvazio a mente pela caneta bic que escrevo sem parar. O cachorro e o galo não se cansam. Daqui a pouco o guarda noturno começa a circular tocando a buzina sem parar. Algum carro de polícia deve passar para enfeitiçar a noite. Mas o cachorro não para. O galo também não para. Mas minha caneta Bic enfim parou. Acabou a tinta e aquela dor de cabeça, enfim cessou.
Pela manhã, o ronco dos motores são ouvidos e vai começar a corrida ao trabalho. Brigas no trânsito, xingamentos exacerbados, músculos que se expandem das bocas que gritam entre os vidros fechados, ouvindo as últimas pesquisas eleitorais.
Nessa louca corrida, olhos atentos aos faróis, com moleques ousados tentando roubar. Muita atenção às bolas laranjas e malabares que cospem fogo, pois eles vão te extorquir.
Vomitam os bêbados liberais as últimas serpentinas do carnaval passado, e no Natal tentam ser ao menos, bons com seus pais, só para receberem brinquedos novos. Isso depois de pularem três ondinhas festejando com tiros para cima, e balas perdidas em direção ao mar. Matando peixes risonhos que buscam se libertar dos barbantes castradores que os aprisionam entre um congestionamento e outro. Isso sem pensar e então escrevo sem parar depois do cachorro longínquo quando o galo começa a cantar. Agora ta tudo um silencio que enquanto porcos e urubus disputam um lugar ao sol eu procuro algo que me compreenda.



O mar estava bravo e de ressaca. Espumas amarelas ficavam presas na areia enquanto o vento soprava e estourava as bolhas salgadas enquanto as conchas brancas se escondiam nestas espumas. Surfistas olhavam o mar tentando entrar, mas respeitando-o. Eu tinha dormido na praia depois de uma noite repleta de muitas coisas. Um vento soprava do sul e riscava os olhos com areia. Tudo era sombrio. Canal 6, Santos e ondas de dois metros. Poucos surfistas e frio contínuo. Não se via mais o canal 6, já encoberto pelas ondas do mar. Espumas nos pés dos viajantes descalços. Siris mortos boiavam fedendo. Será que tem algum lugar pra se ir e beber? O melhor é voltar pra casa, tomar um banho e esperar algum amigo ligar e ir pro Gonzaga e colher frutos do inverno cheio de vento, pois não sou jumento. Isso eu não agüento.
Navego nesse mar de orvalhos tristonhos, aqueles que buscam nas plantas que caem, a beleza de um poema mal escrito, aquilo que suponho ser um poema mal escrito. Aquilo que suponho ser belo. Como uma composição infinita de um verbo que ainda não veio. Mas o que está na veia e que não veio é porque na veia do veio que viaja no estandarte da qual ele sempre falou. Mas agora são tristonhas e risonhas as cantigas que são estranhas ao léu de um tristonho anão que levanta a canção a um léu qualquer. Mas manhãs são sempre manhãs. Maçãs que caem como cantigas que o vento além dos campos que agora se esvai, é o tempo que dá ao tempo vento que é vento repleto de sonhos, tamanho que os sonhos são tristonhos. Mares que são como quaisquer mulheres que de estranhas quais são, repetem tamanhas canções. Sorriso numa noite de cristal. Sonhos que são versos tristonhos. Versos sem canções tocadas por instrumentos ditados por risonhos versos em uma busca risonha.

Eu caminhava pela rua quando achei uma carteira. Liguei para o cidadão e a resposta foi essa: - Deixe essa carteira aí no chão porque alguém vai pegá-la. Mas eu não posso deixá-la no chão porque alguém vai encontrá-la facilmente. Disse eu.
Deixe ela aí moço, e depois vá a te a padaria e fique vigiando-a. Isso até que um homem de meia idade chegou. Pegou a carteira e vi que estava armado. Tinha acabado de interceptar uma ação secreta e agora tinha que concertá-la.
- Mas eu não fiz nada, apenas achei uma carteira e quis devolvê-la. E procurei o dono.
- Você não está no lugar certo, achou a coisa errada e agora tem que arrumar a merda que fez. Mas como eu posso fazer para resolver essa situação?
- Deixe a carteira onde você achou e tire dez contos e beba uma cerveja na padaria. Peça uma cerveja Skol que eu chego em seguida.
- Mas como você sabe quem eu sou e como eu estou vestido? É vidente , mano...
- Você vai saber quando eu chegar... Beba sua cerveja e relaxe...
Foi o que fiz deixando a carteira no mato, observando-a sem parar. Isso depois de ter tomado mais dois copos de cerveja quando um negro alto chegou na padaria e me olhando nos olhos pediu que eu saísse da padaria pagando a conta. Depois pediu que eu entrasse no carro quando vi a carteira na sua mão. Não entendi nada, mas uma seqüência de fatos se seguiu então. Porque é que eu tinha me envolvido por que tinha sido honesto e quis devolver uma carteira que eu achei? Repleta de muitas informações e documentos falsos, a carteira era um arquivo vivo da máfia que foram roubados e que agora eu tinha acesso, já que tinha fotografado com meu celular os documentos. Mas os mafiosos não tinham se tocado disso, e eu dava uma de João sem braço enquanto dava um role com os caras. Rodando toda a zona sul eu passei por aquela situação tal como uma coisa única. Muita coisa era difícil de identificar, principalmente quando o nigeriano me deu uma coronhada e disse que eu ia morrer. Sempre odiei essa raça de nigerianos e sabia que eram mafiosos e queriam dominar o país, mas era difícil eles competirem com o PCC ou o CV do Rio. Não sabia de que lado eles estavam, mas eu nunca pensei que ia pesar para algum lado do crime. Estou fora, e depois que o carro diminuiu de velocidade em uma lombada, pulei pra fora rolando na lombada e fugindo sobre várias saraivadas de balas, dobrando a esquina a milhão. Os dois negões nigerianos desceram do carro e saíram a milhão atrás de mim. Desci correndo entre vielas e becos da favela correndo sem parar com esses dois profissionais atrás de mim voando como o capeta. Só que eu tenho velocidade de um veterano, e corri mais do que eles entrando nas favelas chamando a atenção dos malandros. Canos de revolveres estavam apostos perante as 765 dos nigerianos. Foi quando eu mergulhei em uma caçamba em uma viela e fiquei quieto. E os dois negrões passaram com as armas em punho. Tinham muita munição com eles, e poderiam derrubar a favela se quisessem, pelo seu poder de fogo. Estava na cara que eram treinados. Mas eu os ludibriei, ouvindo passos ao lado da caçamba, indo e vindo. Se me descobrissem ali, seria um tiro certeiro na minha cabeça sem ao menos eu perceber. Bafos e olhos enfurecidos. Respiração ofegante que se vai aos poucos, enquanto a claridade dos raios de sol iluminava a favela do Vietnam onde eu me escondi. Depois que alguns raios fulminaram os meus olhos, coloquei meu Rayban e com arma em punho, saí da favela, e subi a Alba em busca de um ônibus que me levasse à zona sul, onde tudo começou. E tudo ficou calmo depois.
O perigo tinha passado quando eu entrei num bar para me limpar. Ficava na descida da favela e dele você via quem subia e quem descia. Pedi uma cerveja e logo um cara veio falar comigo dizendo: - “O que você quer aqui com agente cara? Tomar uma cerveja, é só o que eu quero nesta hora. Que seja rápido. Disse ele. E procurei ser rápido.
Mas aí chegou um cara que tinha trabalhado comigo em um projeto social lá na zona sul, no Ângela. Ele era forte como um touro, mas era inocente como uma criança, e gostava de mim como pessoa, e me tirou dali depois que a barra pesou. A barra era pesada e se eu não o encontrasse por ali a coisa poderia ser feia. Depois de Zezinho tomar a cerveja comigo, me acompanhou até a boca da favela, sob os olhares dos traficantes. Ele me levou até a pontinha, onde o tráfico rolava solto, depois que eu subi aliviado, me dirigindo pra minha casa.
Já em casa, olhando as paredes, senti um medo da periferia. Mas não fui eu que pedi isso, nem sei porque estou aqui. E aqui, não sei o que vim fazer...
Havia algo no ar além daquele galo cantando e o vigia noturno apitando a cada três segundos que se passaram. Noites intermináveis se foram ouvindo os três elementos da noite. O cão, o guarda noturno e o galo, que ao longe do longo tenta encerrar o expediente. O galo ia avisando que a noite terminava. Mas para ele a noite tinha apenas começado. Com a adrenalina a um milhão em suas veias, liberada pelo tanto de drogas que tinha consumido, chegaram em Tanger depois de irem a uma casa de chá. Traziam sob o peito uma placa de haxixe colada no peito. Faziam a alegria de Lewis Carol tornando-se adorno do Senhor dos Anéis. Depois de mascarem botões de mescalina em pleno deserto, pousou a ave que agora é branda. À sombra dos versos tristonhos ao longe de uma praia qualquer onde se deita a mulher por sobre a toalha e nua, sente a espuma das ondas lamberem seus pés e com pequenos beijos nos deixam sua mensagem para ser identificada.
É Ricardinho, hoje você faria 50 anos. Eu estaria orgulhoso de você irmão. Você teria amadurecido e talvez amadurecido e casado de novo, morando em São Vicente. Aposentado e morando em uma casa alugada. Você e sua patroa trabalhando. Mas que intensidade teria sua vida senão aquela de dez anos atrás? Aquilo é que era vida. Você viveu os seus quarenta anos como quem nunca mais viveu isso. Viveu com intensidade sua vida como quem nunca teve medo de perdê-la. Mas você vacilou e a perdeu por causa de seu pouco respeito a saúde. Ninguém te ajudou. E eu não pude. Eu deveria estar com você, mas eu não estava. Mas hoje você faria cinqüenta anos, um a mais que eu, e meio século comigo, mas tenho que me contentar com quatro décadas contigo. Meu pai sempre me falou que de sete em sete anos acontece alguma coisa no mundo que influencia as pessoas. Hoje, no dia do seu aniversário eu lembrei de você Ricardo. Mas o respeito que existia entre nos dois e o carinho que existia, nunca mais será o mesmo, mas o que reflete é o valor desta amizade, e de tudo o que fizemos juntos.
E assim ele se foi, marcando pra sempre a minha vida. Mas foi pouco tempo que eu fui seu amigo, e uma das últimas frases que eu falei pra ele foi: Ricardo, veja se não morra! E assim eu me despedi do meu irmão, no dia do aniversário da minha mãe, quando ele faleceu. Vou levar essa dor no coração, e a perda da minha mãe também. Isso um mês depois dele ter falecido. Depois disso, o Santos, nosso time, ganhou tudo o que tinha que ganhar. Ficar com Deus. Quem sabe é ele. A nós, cabe apenas esperar.

Por entre os portais
Deuses se encontram
E num vôo ligeiro
Um pouso e um
Repouso a quem sempre
Aprendeu a lição

Lembro me de um show dos Stones que vi. Um dos melhores da minha vida. Talvez o melhor. Mas o melhor foi pisar na lama. E depois de vê-la ressecada no sapato sabemos que pisamos em um território diferente. Nossas veias sangraram e deixaram nossos rastros para sempre.
O que eu posso dizer depois que Bin Laden morreu? Seus filhos não tem vergonha depois que seu pai os treinou. E treinou americanos para morrer pela pátria. Por uma causa. Hoje, oitenta Paquistaneses morreram em um atentado. Isso em uma base do Paquistão tentando vingar a morte do líder. Mas isso não importa, depois que o técnico do São Paulo ser demitido e depois readmitido depois de perder a vaga da copa do Brasil para o Havaí de Floripa. Mas a gasolina e o álcool vão baixar, depois de pagarmos o triplo de energia para Itaipu. Onde vamos parar com essa política externa? A onde vamos além de Belo Monte devastar meia amazônica já devastada pelo progresso que acaba com as comunidades ribeirinhas que não sabem para onde vão.
Mas já viu que eu pensei nisso tudo descendo a George Corbisier com a minha mochila nas costas tentando achar um bar aberto pra comprar uma lata de cerveja. Eu estava repleto de sonhos e precisava arejar. Pensava comigo mesmo onde eu ia levar o meu barco. Isso depois que uma viatura de polícia me parou quando eu estava urinando em um muro quando o tenente me falou: “ O senhor não se envergonha de fazer isso?”
-É melhor uma pedra no caminho do que duas nos rins...”
-“Mas que bela resposta, e nessa você se saiu bem.” ( depois o cabo anotou a resposta)
Num dia em Boracéia mastiguei três botões de mescalina. O cacto sagrado mexicano que nos anos 70 e 80 fez o maior sucesso entre os estudantes. Revolucionou a cabeça da rapaziada. Castanëda tornou-se um guru e ídolo entre nós, os viajantes do tempo. A Erva do Diabo era um livro lido por mais de milhões de pessoas nos Estados Unidos e Brasil. Tornou-se uma ideologia entre nós, simples mortais usuários e trans-mutantes de nossas realidades comuns. Ideologia quando vi através do alucinógeno que as plantas se uniam através de fios prateados que às uniam como se fossem irmãs. Parecia que um anjo guardião era o seu aliado e ao mesmo tempo sabia o que existia por ali. Aliança.



Agora há Deus
Pois a ele, tu pertences
Que a todo consumistes
Aguardando aventurança
Com o sorriso ensististes
Brincadeira de criança
Rapulzel, me dê a trança
Para que eu, na lembrança
Contigo recordar
Dos momentos juntos
Bem distante desse mar
Em fim, poder festejar
Pois quem ama a Deus
Vai enfim se salvar...
18/5/11


Mas quando comecei a ouvir seus versos naquele momento, comecei a refletir o que era a vida a partir daquele momento. Algum significado isso teria enquanto meus verbos a tudo me mostrava. Vi uma brisa se mexendo, quando um simples ruído batia em meu ouvido querendo se fazer de amigo. Começou falando palavras estranhas tentando me cativar aos poucos, como se às vezes eu visse naquilo uma estranheza na porta do meu nariz. Realejo agora não é sorte que beira o caminho. Além de tudo estamos sozinhos do norte ao sul, então, não digam amem.
Por fim, agora depostos na escarpa, olhavam o horizonte como guerreiros sempre apostos por sobre o véu, e por cima do monte se olhava ao longe, buscando no céu um astro encontrar, mas deparar com fibras prateadas que se confundem com a noite...
Quando eu acampava era muito metódico. Aos 13 anos acampei em uma caverna na Praia Branca. A primeira praia á direita depois que se chega na balsa pra atravessar o rio Bertioga, cuja viagem levava até 45’ minutos de Santos até lá. O ônibus saía das balsas do Guarujá e ia até o terminal das balsas, já na divisa com Bertioga. Depois disso, nos encontrávamos no Caramba, em pleno Gonzaga, para falarmos do que passamos.
Depois que ouvimos falar da grande onda que ia invadir a cidade de Santos em 82, fiz um desenho A3 que representou essa passagem muito bem. O oito era aquele desenho do infinito que o Echer tinha feito com formigas andando e fiz um 2 com a forma de uma onda na qual eu vinha descendo a onda de mais de 10 metros. O desenho até foi publicado. Mas enquanto isso, muitos malucos de Santos tinham se mudado para Goiás. Ou algum outro estado do norte que ficasse longe do litoral. Só ficou eu e mais alguns.
Muitas vezes armava a barraca mas escondia os meus pertences pelas matas, para ninguém poder descobri-los. Eu tinha uma seqüência de coisas que eu levava para acampar. Encontrava na estrada com os colegas e via que a minha sobrevivência era prioritária nesta ocasião. Você tem que ser relevante se leva o tênis ou bota no litoral. As botas são mais para a terra, para subir e romper o gelo, usando óculos Rayban e relógio e bússola. Trazia também um revolver pequeno, um 32 cheio de balas que estava guardado na perna junto com um coldre de couro. Trazia um canivete e uma barraca Yanes de dois lugares, um saco de dormir, um canivete e uma machadinha. Anzóis, linha de nylon, agulhas e uma frigideira dobrável, pilhas e isqueiros, fósforo e canetas. Além de papel e gaita em dó, um celular recarregável e se desse para carregar os tambores a gás e velas luminárias e um fogareiro yanes. Nos mantimentos eu levava desde sinalizador a mentiolaite, além de soro antiofídico, álcool, carne seca, bolacha e lingüiça, sal e guaraná em pó, aveia e leite em pó, e por isso eu acampava no meio do mato sem ninguém. Fincava uma faca em volta da barraca e colocava fumo em volta. Isso era um novo destino e momento certo para que analisemos o que tínhamos feito, isso depois de termos conquistados, o que rompemos com a vida. Também trazia uma machadinha e um saco de dormir. Cordas de nylon e agulhas e pilhas eram guardadas em uma bolsa da mochila. Isso quando eu me embrenhava no mato e ninguém tinha coragem para me buscar. E eu me superava quando acampava embaixo de uma árvore e virava várias noites ali, sobrevivendo, rasgando o chão com uma faca, sobrevivendo sobre a mata, convivendo com os bichos da noite, não dormir e não aportar em porto nenhum, e sempre, a postos, para o que der e vier. Cada viagem era uma viagem. Cheguei a ficar semanas em Camburizinho, lá no sertão, e ninguém teve a capacidade de me encontrar. Ninguém mesmo. É pena que meus bons momentos acabem.
Aquele quadro de Jesus Cristo que ficava no meu quarto, na parede, com a mão levantada soltando raios dela, parecia que me dizia: “Maneira, Marcelo, maneira...”
Parecia que minha mãe falava no meu ouvido. Mas eu não maneirava e sempre fui a pior companhia para meus amigos. A minha timidez se transformava em loucura. Pura e simplesmente loucura. Cercado de coisas e de objetos de poder. Amuletos que fazia e instrumentos que criava. Desenhos que riscava e complementava depois de os tê-los feitos. Mas agora eu quero distribuir minhas coisas e meus versos inquietos, fazendo colagens do tempo, e minhas composições se espalhando e o que fiz para todas as pessoas, em qualquer momento da qual eu passe. Por isso eu acho que não paro de escrever. Para sempre deixar uma marca, uma semente plantada em um dia, e ao fim do mês , ver o jardim que eu criei. Por isso eu acho que não paro de escrever. Cada dia representa um momento em minha vida. Uma passagem para outra esfera. Um outro tempo que estou vivendo, passando dos anos setenta até o momento do ciber-wundergroud dos nossos dias a dias. Tudo é muito rápido e a captação das informações tem de ser imediata. Você tem que aproveitar cada momento, cada segundo, e em cada lugar que você vai, tem que representar algo para você. Por isso é que eu digo, curta a vida antes que ela te dês curta. Isso é porque eu leio biografias e por isso é que eu tenho a minha vida retratada em textos, em pinturas, esculturas, e em toda e qualquer arte que eu possa manifestar. Marcar seu tempo. Poucas pessoas vivem nesse século, e muitas poucas chegam aos cinqüenta como eu viver, faz parte de uma manifestação artística.
Você imagina, eu ter começado a desenhar e a escrever a partir dos 13 anos e até os 51 na qual eu tenho hoje. São milhares de textos e desenhos guardados em duas casas que tenho. Isso depois de ter deixado para traz em uma chácara que tive em Embu Guaçú. Ali era a minha casa. Depois eu tive que vendê-la. Compus uma história ali, mas depois eu tive que vendê-la. Um homem que não tem histórias pra contar, não é um homem...
Sempre fiz desse pensamento à linha que eu tracei para a minha vida. Sempre achei que tinha que marcá-la com algo e fatos que realmente significam algo para mim que signifique alguma coisa. Sempre achei que marcando e pontuando a minha vida talvez eu pudesse entendê-la. Li várias biografias para poder entender a minha, finalmente. Comparei algumas épocas e fatos a que marcaram e na qual eu não pude fazer nada para que elas não acontecessem. Apesar do livre arbítrio que temos. Mas minha história é muito longa e será eterna. Ela vem desde a minha primeira encarnação quando era um trovador em 1.400 por aí, e era um filósofo e inventor, visionário, depois fui um mártir na segunda guerra, mas agora eu me digo, que sou a encarnação de Blake. Tenho ele, e Rimbaud em minha alma transmutada. Acho que também Salvador Dali e Gustavo Doré vieram a somar em minha linha de pensamento. Isso porque eu sempre quis e fiz questão de construir uma linha de pensamento na qual eu me identificava, e somando com a minha vida uma pesquisa histórica e concentrando a mente, soube que poderia perambular no universo. Castanêda criou uma estrutura de pensamento e passou a fresta dos mundos com uma destreza de pensamentos, conhecimentos da vida resumidos a dez fatos que você deve levar consigo. Você tem que dividir a vida em dez fatos que realmente representam algo para você. Depois disso, passar a fresta dos mundos vai depender apenas de um pulo no abismo.
Daí a Cezar o que é dele próprio. Para cada praga existe um remédio. Isso, depois de construir um prédio você tem que demoli-lo. E depois reconstruí-lo com sua mente que vai transformando as coisas do passado em elucubrações futuras. Enfim, não construir muros a sua volta, mas deixar o pensamento livre. Prevalecer em uma sociedade de consumo mista e variada cujo alvo no ligeiro momento nada represente na variante do tempo, além de uma sobrevivência no asfalto. Escrevo para quebrar as vitrinas enquanto passar nas esquinas pelos quatro cantos o olhar atravessa o caminho enfim transposto.
Vago por entre esse mundo procurando um ancoradouro. Um lugar onde eu possa ancorar como um touro. Lugar comum que eu possa causar. Lugar para que eu possa ficar na estrada. Um pequeno lugar que fica na quebrada. Na curva da estrada onde eu presenciei a visita do capeta, que me pediu para que eu acendesse seu cigarro, e depois de soltar a fumaça na minha cara procurou um caminho na estrada a ser seguido e fez um pacto com Deus para poder seguir em paz. E eu estava no meio mediando tudo isso. Mediando o pacto entre Deus e o Capeta. Tinha que sobrar para mim.
Minha cômoda vivia cheia de coisas. Ali eu deixava conchas que eu pegava e trazia de Boraceia, na beira da praia, e que variava de tampas de garrafas e coisas que eu ia achando pela praia, botava nos bolsos, além dos olhos de bois que eu buscava aficionado. Lápis e latas de cervejas, uma bíblia na qual eu colocava fotos, livros e brinquedos, além de esculturas. Tudo o que eu achava se tornava alguma coisa para eu compor e criar uma arte, colando ou somando uma coisa com outra. Na minha cômoda, tem uma gaveta na parte superior que tem vários compartimentos divididos em pequenos quadrados. Ali é que eu guardo as coisas. Assim eu acumulo coisas cheias de instrumentos, de livros e cadernos na qual vou compondo minha linha de pensamento, roupas de brechó, esculturas e cd’s, dvd’s e tudo o que vou encontrando pela minha frente, inclusive instrumentos que criei e que comprei. Mas afinal, quem sou eu? Minha vida sempre foi marcada por aquilo que eu tive. Aos 51 anos eu acumulei muita coisa na vida e procurei selecionar algo e filtrei para que a vida fosse em frente. Fiquei com a vida limitada desde que eu tentei selecionar o que era preciso e o que não era. O silêncio nada representou para mim , pois o desejo de sonhar era maior. Cada vez que eu começo a olhar as coisas que colhi na vida, eu vejo os caminhos que passei e por onde eu busquei o atalho. É assim que eu vivo. E assim eu refleti a minha vida. E os anos foram se passando. Mas não sei quais os piores momentos eu passei. Percebi, que a melhor coisa foi registrar cada momento da minha vida e assim eu pude dar continuidade para a minha história.
Assim, de passos em passos eu sigo o meu caminho. Parti do meu ninho quando minhas asas estavam secas e nunca mais voltei. Foram longas viagens até que eu encontrasse um porto seguro. Pelo caminho, eu ia encontrando vários cais na vida, e deles tentar passar uma energia para quem representasse o local. Sempre fica um guardião que fica ali com sua espada para baixo, como que guardasse o local. Um guardião deve representar uma defesa aos amigos que o cercam. Sua realidade se transforma com os fatos que surgem uns após os outros, sabendo que o pensamento se dilui de acordo com que a indefinição do real, funde-se ao imaginário.
Santo Antonio do Categeró recebeu esse nome depois de ter sido deportado da África para Nodo, na Cecília, como um prisioneiro vendido. Tornou-se pastor convivendo com os cristãos, convertendo-se, batizado de Antônio. Ajudava os pobres o os doentes. Rezava e fazia penitências, sempre agradecendo a liberdade. Faleceu em 1549. Exumado em 1599, seu corpo permanecia íntegro, sem se decompor. Operou vários milagres e por isso se tornou santo. É venerado no Rio de Janeiro onde existe uma única igreja, talvez em todo o Brasil, cuja imagem foi trazida por padres italianos bem depois de nossa descoberta. Isso depois que li o livro Autobiografia de um Yogue Contemporâneo, de Yogananda, que através da meditação, transmutou a morte, e seu corpo ficou intacto durante vários meses. Passou para outro estágio da vida se desligando dela aos poucos. O mais interessante é que Yogananda emanava um doce perfume, mesmo depois de vários meses de sua morte. Essas coisas marcam a vida da gente, e são pessoas como estas que nos mostram que a vida continua, mesmo depois da morte física, suprindo todas as necessidades mundanas.

Envelheço na cidade olhando o triste lugar na qual perdi parte da minha vida. Não sei para onde vou, sempre adiando o meu destino, procurando caminhos que me contemplassem a vida, ou que ao menos me desse uma indicação. Sinto-me mutilado dos meus verbos, enquanto contemplo um sol amarelo repleto de parafina, tal como meus olhos cheios de colírio se expandem como um universo em explosão.
Mas onde estão as crianças que agora brincam de carros com tocos de madeira que acharam no lixão. Agora que digo é passado, pois em momento nenhum eu às vi sumir.
Corriam elas pelo asfalto quente quando sobravam apenas algumas árvores que suavam como mulheres a beira do caos. Ceifadas suas amadas virtudes, Gertrudes pronunciou o verbo na soberba augusta morada que assusta, mas onde eu vou roubar suas chaves? Onde eu estacionei minha nave. Acho que na última árvore, pois é lá que eu vou urinar.
Mas o dia está meio nebuloso hoje, e quando acordei não vi mais ninguém. Então levantei e fui até o açougue comprar o que pude com a minha grana, e mais nada além disso. Algo estranho estava para acontecer porque a névoa baixara e nos meus ouvidos começava a tilintar um som muito estranho, depois que meus pobres dentes foram cuspidos. Agora só me resta o orvalho tristonho que como uma nuvem sopra lá fora como anjos soprando verbos com hálito de amora. Depois disso, eu pago a conta e vou embora. A gente se vê lá fora. Ou talvez em algum beco na quebrada, perto de onde estacionei minha moto, ou onde eu costumo beber.


Recorro com meus versos que são espertos
E buscam resolver o meu caos
Buscando soluções e caminhos despertos
Rasgando o Brasil os santos com as mãos

Santos, terra boa, não existe à toa
A cidade nasceu para brilhar
Pagú e Plínio, a mente atordoa
Frio na espinha, lugar para amar

Voam canções que vão ao vento
Rasgam os mares, atordoam o firmamento
Cantigas se esvoaçam com o tempo
Fibras nostálgicas fazem o juramento
E nunca mais tardar o olhar
Que de risonho não tem tamanho
Nem dimensão ou doçura
Nem paixão vaga, numa noite estranha.

Hoje os sonhos são libertos
Livre voa a brisa que desperta
Abro meus olhos, sou esperto
Pras coisas que na vida se concerta

Hoje os sonhos são risonhos
E alguns bem estranhos
Sonhos bobos, sem tamanhos
Se vão ao léu, alguns tristonhos

Vida cândida que agora esvai
Da torrente que sempre buscou
Ao subir a escada agora ele cai
Subir aos céus ele tentou

Mas cândidos versos, como eu disse
Abismos você sempre pulou
Mula velha, visse me visse
A ti, uma estrada restou
E segui-la, com meus pés, vou
Desviar, eu não sei
Talvez eu te responda depois.


Quando comecei a usar drogas, brincava com gatos inquietantes. Comecei a comê-los com pão de ló, e ter orgasmos constantes enquanto minha vida se modificou e tive orgasmos constantes. Virei ateu e a morte me prometeu um bom dia, mas quem diria, a vida me propôs algumas loucuras para que eu me satisfaça com uma mulher que tenha orgasmo. Uma que saiba gozar e que não tenha problemas com a sociedade e que realmente saiba gozar. Difícil hoje em dia. Gozar , principalmente.
Viver é melhor que sonhar. Por isso eu vivo sonhando na vida.

Aquele que sentir sendo chamado
A esses caberão modelos restantes
Cultivando a semente da raça
De aquela era de Aquários...

E a promessa foi cumprida
Reconhecimento para a sobrevivência
Os viajantes reconhecidos, mergulharão
Num túnel iluminado pelos clarões
Que refletem o exterior terrestre.

Verdade que brinca de verdade
Maldade que postula maldade
Irmandade que é falsa
Derruba o inimigo...
Que se diz dono do umbigo.
Tragédia que falha e avacalha
A vaca que extrapola e enrola
Que embora como músico voraz
Não é capaz de conduzir o que embala
Enlaça e traça o que corroem
Que embora seja músico voraz
Não é capaz de conduzir mas embala
Enlaça a traça que corrói


Assim é a noite triste e estranha. É uma loucura envelhecer. A dor e a bebida nos fazem envelhecer. Assim, a multidão não tem tempo pra chorar, nem reclamar do que foram, porque não tem tempo para isso. Brincamos com os versos pois somos risonhos e brincamos com os verbos pelas ramadas de outrora, quando exaltei o mar e o ar, a fantasia e a beleza de poder representar neste mundo o seu momento. E assim, deste modo, passar a fresta dos mundos, representando com orações, o dia que eu deixarei vocês. Aí, quando lembrarem de mim, verão que o que eu fiz, não representará uma lágrima de suas vidas. “Sou aquele que não reclama. Só agradeço por mais um dia.”

Comentários

.... Esse texto tem uma continuação que fala desses personagens perdidos e invisíveis da cidade de São Paulo. Algumas coisas eu vivi na pele. Outras coisas são uma mescla de histórias e contos que possuo... acompanhem, e vocês estarão em contato com uma outra realidade, nua e crua, assim como é a realidade das ruas...
VIVA O HOMEM SEM SOMBRA A PROCURA DA SUA PRÓPRIA LUZ...

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